quarta-feira, 18 de abril de 2012

Tempos de inconsistência

A concepção judaico-cristã sempre associou o termo glória ao peso, à densidade do impalpável, do eterno, do imorredouro. Sempre houve a glória intra-histórica, dedicada aos homens de valor, às autoridades ou figuras de respeito. Porém, o Ocidente, por uns séculos, buscou glorificar as realidades que merecem a glória, ou, antes, que a tem em si. E em função desta, glorificou, segundo uma ordem bem determinada, as referências que apontavam de alguma maneira para o eterno.

Porém, estamos em tempos de pulverização do impalpável, do eterno e do imorredouro, se é que é possível falar em pulverização de algo que, de per si, não pode ser quebrado. Quem se quebra é o homem. Sim, sua base é sua filosófica, seu conhecimento, sua sabedoria, enfim, seu Deus. Seu fundamento seria uma referência absoluta que o levasse a compreender o sentido que sua vida leva e a saudade que tem de algo que lhe transcende. Mas se o homem pulveriza o que há de criado a partir disso dentro de si (sim, há um Deus e uma imagem de Deus em si, há uma sabedoria eterna e uma sabedoria criada e, quando possível, desenvolvida, no homem, o conhecimento, as idéias, as relações, etc.), já não há mais possibilidade de verdade nele. Diz o Salmo 115, "todo homem é mentiroso, todo homem". Isso se torna radical aqui.

O espetáculo que assistimos hoje se deve a essa pulverização dos fundamentos do humano. As glórias são aparentes, as verdades já não são ditas, nem vividas. Estamos em tempos de inconsistência, de inanição interior. O colapso total é questão de tempo.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Sobre o abortamento como bandeira ideológica e outras práticas...

Sabemos, como sociedade formada e informada, que diversas ONG's nacionais e (sobretudo) internacionais fomentam a formação de grupos sistematicamente organizados para divulgar, defender e promover estas práticas no país. Entretanto, é publicamente conhecida a aversão da maioria da população brasileira a tais práticas.

É ainda conhecida a série de discussões filosóficas e científicas acerca do começo e do fim da vida. Gostaria de situar um pouco daquilo que honestamente posso observar acerca do conceito de vida. Desde quando o ser humano existe sobre a superfície terrestre, o desenvolvimento da civilização tem se mostrado nos momentos em que ele se nota um ser para os outros. De fato, o próprio surgimento daquilo que comumente se chama natureza, procede de acontecimentos fisicamente improváveis e decorre de uma série de fatores assim notados pelas ciências físicas que conferem um equilíbrio ainda não totalmente compreendido. Dentro da dinâmica do processo de desenvolvimento orgânico da assim chamada natureza, a própria irrupção do homem e sua permanência como ser a ela integrado é algo ainda mais improvável, procedente de um profundo exercício da vontade, da inteligência e dos sentimentos. Foram tais elementos que levaram o homem a uma verdadeira batalha, não diria contra a natureza, mas em profunda tensão com ela. As relações do homem com a natureza nem sempre foram das mais harmoniosas, mas houve, por longos e longos séculos, a compreensão de que essa tensão exigiria uma série de atitudes, que hoje, com a compreensão que temos, poderíamos chamar de sacrifícios.

De uma forma geral, a manifestação das propriedades dos elementos da natureza são uma maneira sacrifical de existir, onde aquilo que não era expresso, passa a ser expresso, nomeado e caracterizado pelo homem, em função de transformações as mais diversas, que viriam em favor de um devir. O que seria esse devir?

Não é difícil afirmar que estamos diante de um esforço para a preservação da espécie humana e de um cuidado especial para com a prole. Ou seja, ao longo do desenvolvimento orgânico da consciência humana sobre a superfície terrestre, esta apontou para o fato de que o homem provinha de um sacrifício e estava destinado a isso se quisesse ver a alegria de sua família, de seu clã e de sua nação. O desenvolvimento das civilizações se deu quando essa consciência estava aguçada e firmemente estabelecida  no seio da sociedade. Quando essa consciência se desligava desse fato, sérias inflexões ocorriam, como acontecera no Império Grego e no Império Romano.

O desenvolvimento da cultura, das ciências e das artes no Ocidente seguiu essa linha de ação e de consciência e a maioria das realidades que dizem respeito ao desenvolvimento científico e tecnológico de que hoje desfrutamos se deve a esse papel da civilização ocidental.

Com esses parágrafos, gostaria de afirmar primeiramente: o homem é uma realidade de sacrifício. Surgiu através de um, sua vida encontrará significado nas diversas entregas de sua história, até que venha, se assim permitido, expirar no sacrifício último de sua vida, tendo exalado nos seus últimos dias sabedoria para as gerações em função das quais este ser foi sacrificado do começo ao fim.

Porém, vemos aqui o homem sacrificado, mas ao redor dele, se assim podemos nos expressar, temos um jardim: uma juventude (seus filhos e netos) cheia de significado, encontrando nas diversas realidades aquela saudável tensão com a natureza e com seus pares; obras as mais diversas, seja nos serviços mais simples, seja no desenvolvimento da ciência e da tecnologia, seja no atendimento a doentes e agonizantes, seja ainda na transmissão do conhecimento, seja enfim no envolvimento positivo em decisões políticas que levem seu país a se tornar um modelo de humanidade para todas as nações. O que brevemente quis expor aqui é que essa realidade sacrifical de onde o homem vem (gratuitamente, por meio de um ventre feminino) e para onde se destina (naturalmente, através de uma vida sábia) não permite, honestamente, dizer que a vida pertence a si.

Também não pertence à arbitrariedade dos Estados, como já se pode observar em certos países (que não demoram a entrar em colapso). Diria que a vida é algo maior do que o homem, que ela contém o homem, mas que este jamais pode dispôr dela. No sentido de que, quanto mais conhecemos algo acerca da vida, mais percebemos que temos muito a conhecer, uma conclusão natural deste fato é a de que a vida é um mistério. Definir a vida, esquadrinhar a vida, encapsulá-la ou, por fim, esquartejá-la é algo cujas consequências mais radicais podem não ser controláveis em médio prazo.

Quando afirmo isso, penso, por exemplo, no Império Romano, que, depois de períodos de pujante riqueza, mas de profundas arbitrariedades sobre a vida, sobre quem deveria viver ou não, começou a entrar em grande colapso, até o momento em que os bárbaros, vindos do norte da Europa, saquearam-no por completo, e este continente teve de conviver, pelo menos, 200 anos num universo de falta de sentido para o ser humano, e completa desagregação social. Poderíamos elencar algo de certos abusos que ocorreram quando membros do clero europeu, pelos idos dos 1400 aos 1600, também assim interpretaram certo domínio sobre a vida e mesmo as instituições eclesiásticas passar, por sérios colapsos entre os séculos XVI e XVIII. Porém, as mais horrendas manifestações de arbitrariedade encontraram suas expressões nos regimes nazi-fascistas e comunistas do século XX. Os primeiros, além de matar mais de 6 milhões de judeus, além de outros inimigos do regime, conseguiram energizar uma grande guerra em que outros tantos foram vítimas, num desejo insano de estabelecer uma hegemonia racial. Os outros, já desde a revolução bolchevique até as demais herdeiras, conseguiram destruir cerca de cem vezes mais vidas do que os regimes nazi-fascistas ou quaisquer outros. Bem, hoje vemos países extremamente pobres (como Cuba, Albânia ou Coréia do Norte) ou extremamente caros (como a própria Rússia) ou extremamente opressores (como a China).

Trocando em miúdos, independente da corrente que se siga, dispor da vida alheia é sempre um risco para a própria nação. Mesmo que um cidadão não venha a acreditar num devir após seu período de existência na terra, pode-se pensar num devir aqui. A idéia de dispor de vidas, decidindo-se sobre quem devia viver ou não, proveio não raras vezes da idéia de construir  uma vida com qualidade perfeita na superfície da terra. Até hoje, com tudo isso, não conheço nação que a tenha encontrado, pois, mesmo quando se chega a níveis máximos de IDH, o índice de suicídios (assistidos ou não) também os acompanha... Ao menos, assim acontece nos Flandres e na Escandinávia.

Fala-se, pois, do direito da mulher. Diz-se de que ela é dona do próprio corpo. Não entendo que seja, como eu, um homem, também não o sou. Ainda que fosse dona, um nascituro, um zigoto, um embrião, um feto, um bebê, não faz parte de seu corpo. É outro ser, traz em si todas as informações genéticas que o irão individuar. Mesmo que o corpo da mulher lhe pertencesse, a criança não lhe pertenceria.

A propósito, há pouco dizíamos algo sobre sacrifício. Há sacrifício que gera vida, que planta um verdadeiro jardim no universo; há também sacrifício que gera morte e desgraça. Como realizar um aborto e sentir-se com a consciência livre, capaz de juistificá-lo e até defendê-lo? A realidade observada é que a maioria das mulheres que o fazem, voluntariamente ou não, trazem uma marca terrível em sua consciência e prefeririam esquecer daquele momento de sua história. Mas isso é impossível.

Eu arriscaria responder à pergunta: somente quando há uma resoluta e inarredável decisão em afirmar, até onde é possível ao ser humano, que a vida pertence a si, ou seja, ele é maior do que a vida. Se é maior de que esse mistério, o que mais seria mistério? E o que mais seria inextricável e mesmo respeitável? Essa auto-afirmação seria o princípio do colapso civilizacional.

As instituições que, por outro lado, fomentam o infanticídio (igualmente a eutanásia) estão movidas por propósitos que estão além de minha compreensão, mas parece muito coerente com a prática vigente de só preservar aquilo que tem valor agregado a curto prazo. Crianças (a depender de como elas venham ou de como as mães fiquem) e idosos não são assim para tal lógica. E mais uma vez, decide-se sobre quem deve ou não viver.


sábado, 7 de abril de 2012

"Surréxit Christus, spes mea!" - "Ressurgiu minha esperança, Cristo!"


Queria dirigir a todos uma palavra sobre a hodierna Páscoa: 

"era necessário que o Cristo sofresse para assim entrar em sua glória". 

O caminho assumido por Deus para o nosso resgate foi o caminho em que acabamos caindo por causa de nossos pecados. Poderia ser outro, mas o quis assim para que tivéssemos como segui-lo. Foi um caminho humano, por excelência, carregando em si uma pedagogia que não nos anulasse, mas, ao contrário, levasse em consideração a nossa fraqueza e nossa condição desastrosa.
 
Mais ainda, foi o caminho em que assumiu Ele mesmo se anular, em certo e misterioso sentido, para percebermos algo da incomensurável nulidade, vacuidade, vaidade e caducidade que havia dentro de nós.
Creio, pois firmemente, hoje, nesta Páscoa de 2012, que foi ao deixar que Ele entrasse em minha vacuidade, murmurações, quedas, feridas abertas, tentações, angústias, lágrimas, dificuldades e provações as mais diversas, que pude experimentar mais um pouco da força de seu Mistério, de sua entrada neste mundo, em minha vida até a raiz, desvelando algo mais do livro selado de minha existência aos meus próprios olhos, aos olhos do coração, olhos da alma. Se não consegui segui-lo e ser fiel em tudo, Ele o sabe. Sabe-o mais do que eu, embora por essa radical entrada me desafie sempre mais a que eu mesmo o saiba e possa ser transformado por esse diálogo proporcionado por pura e graciosa iniciativa dEle, desde dentro do diálogo intratrinitário que acontece na eternidade. E quem, até mesmo entre os filósofos, poderia esperar tão grande Mistério, eles perscrutadores de tantos mistérios?

Não é à toa que posso hoje chamar a Cristo de meu, posso não porque o tomei, mas porque, de algum modo, Ele me tomou. Sua benevolência, sua (tão paradoxal) magnificência, sua paciência para comigo, ao carregar minha cruz, ao morrer onde morro e já não sou mais o eu sonhado pelo Pai do céu, o eu verdadeiro, e, no seu eterno vínculo com o Pai do céu, o Espírito Santo, me levar, de cativo ao alto (cf. Sl 67), pelo grandioso Mistério da Ressurreição, enche-me de santa esperança, e me leva cantar o Aleluia ao varar esta Noite que se inicia. Quando eu ver aquela lua cheia brilhando hoje, aquele círio aceso, as velas acesas em nossas mãos, poderei renovar a certeza de fé que me move para adiante em meio aos percalços da vida, aquilo mesmo que o discípulo amado diz no prólogo de seu Evangelho: "a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la". Sim, porque a luz tem mais direito que as trevas...

Poderei, ainda, ao ouvir o Exultet, o Santo Precônio desta noite, que os anjos cantam conosco e que as criaturas do céu e da terra estarão em uníssono e , ainda que em esperança, de esperança em esperança, podem sonhar com o Dia Eterno em que, para além do que podemos ver, ouvir, pensar, planejar, Cristo, imolado por nós, será tudo em todos.
Assim, e por isso, meu caro irmão, minha cara irmã, não pude resistir em expor aqui meus sentimentos às portas da Páscoa. Quero colocar cada um de vocês no Aleluia que sairá de meus lábios. Quiçá cantemos todos o Aleluia, porque eterna é a misericórdia, a caridade, o amor de Nosso Deus, manifesto em Nosso Senhor Jesus Cristo. De fato, Ele nos cativou, como lembrava uma das antífonas da tarde de ontem, Sexta-feira Santa, em alegre modo gregoriano VIII: “o fruto da vida nos atraiu”.

A Ele, Alfa e Omega, Princípio e Fim, a honra, a glória e o louvor, o poder e a salvação, ontem, hoje e sempre, por toda a eternidade, pelos séculos dos séculos. Amém!
E a você, meu caro irmão, minha cara irmã, o desejo, do fundo do coração, de uma Santa e Feliz Páscoa, nEle!