segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"Agora que o clrão da luz se apaga", as crianças foram dormir o sono dos justos

Agora as crianças foram dormir. Graças a Deus, as cólicas de Thalita foram mais suaves hoje. Como é grande a vocação paterna. O Salmo de hoje (67) lembrava: "dos órfãos Ele é pai e das viúvas protetor; é assim o nosso Deus em sua santa habitação". Na mesma liturgia, São Paulo lembra que o mesmo Deus não nos deu um espírito de escravos, mas o Espírito que clama em nós "Abá, ó Pai!" Eis a verdadeira e pura oração, que brota de um coração puro...

Ester, ao clamar a Deus por seu povo, pedia chorando "vinde em socorro de minha orfandade" (Est 4,17)

Na paternidade, desempenhamos o papel que, por excelência e autoridade pertencem unicamente a Deus: "não chameis a ninguém de pai, porque um só é o Pai que está nos céus". É quase uma temeridade sermos chamados de pais. E é assim que nossos filhos aprendem a nos chamar.

Indigno dessa vocação, só uma maneira vejo a de encarar esse drama ontológico. Orar ao Pai. Reconhecer o Espírito que foi posto em nós, pela graça do Batismo e do Matrimônio. O Pai do céu nos outorga a capacidade de podermos absorver o que é unicamente dEle: as glórias e as penas do Pai. Por essa vocação, nossos filhos vão aprendendo que não são órfãos. Aprendem que uma pai, uma mãe, um Pai Eterno os ama. Uma vocação divina, dada a mim, a tantos de nós...

E ser pai não exige muito; na realidade exige tudo: um movimento descendente do corpo e da alma, até mesmo das nossas potências mais pueris, para mostrarmos aquilo que na sua simplicidade é de Deus.

Há pouco, lia para o meu filho (ele tem feito cada um de nós ler a Bíblia para ele todas as noites - é o Ofício de Vigílias dele) a passagem tão comovente dos lírios do campo e das aves do céu (Mt 6, 18 ss.). Fui trazendo ao meu coração a paternidade de Deus, que lembrando-se de seu Filho, a Sabedoria que é gerada por Ele desde toda a eternidade, constituiu essas imagens de sua imensa liberdade, na liberdade dos seres criados. O Filho, a Sabedoria, que brincava com elas desde o princípio, era  livre porque olhava para todos os bens com liberdade, de tal modo a jamais deixar que a possibilidade dos males do futuro viessem a tirar o olhar contemplativo sobre seu Pai.

Que grandiosidade a vocação de pai: lembrar aos nossos filhos de que foram feitos para a liberdade. Não são os condicionamentos do mundo que os constituirão. Mas uma paternidade cheia do olhar da paternidade de nosso Deus, o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tremo diante disso! Porque nem sempre meu olhar é esse olhar. Rogo a Deus que meu olhar aprenda no olhar para ele, e do cruzamento de olhares, nasça um olhar de liberdade em nossos filhos. E tendo os pais que têm possam apontar, como uma flecha apontada para o infinito alvo (lembrem-se da epectase), possam eles olharem para o Pai celeste com o olhar de Jesus. Essa é a hora em que diminuímos, e Ele cresce. Sim, como dizia Gibran, poeta libanês, "nossos filhos não são nossos filhos; são filhos do desejo da vida por si mesma".

Mas para além de minhas fraquezas, reafirmo minha serena certeza de quando falhar nessa pedagogia (que já é uma mistagogia), por causa de meu pecado, por causa de meu olhar nem sempre tão fixo em Cristo, o Pai celeste, que, em Cristo, atraiu tudo para si, ao ser levantado da terra, especialmente as crianças, não abandonará meus filhos, não abandonará nossas crianças, e será tudo neles.

Sim, porque o pedido de Ester foi escutado: Ele veio em socorro de nossa orfandade.

Termino a noite com as palavras de nossa música popular brasileira: "hoje eu quero paz de criança dormindo, quero o abandono de flores se abrindo para enfeitar a noite do meu bem", do Eterno Bem...

Boa e serena noite a todos!

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