sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ainda sobre paternidade e maternidade - o testemunho dos santos - II

Agora, seguem os últimos momentos de Santa Mônica, celebrada hoje, narrados pelo seu filho, Santo Agostinho, no Livro IX de suas Confissões. Destaco (em grifos meus) o grande desejo dessa mãe, que, ora, poderia dizer com São Simeão, "deixai agora vossa serva ir em paz (...), pois meus olhos viram vossa salvação".

Ao aproximar se o dia em que ela ia partir desta vida – dia que Vós conhecíeis, mas nós ignorávamos – sucedeu, segundo creio, por disposição de vossos secretos desígnios, que nos encontramos sozinhos, eu e ela, encostados a uma janela, cuja vista dava para o jardim interior da casa que nos hospedava, em Óstia, onde, afastados das multidões, depois da fadiga de uma longa viagem, retemperávamos as forças, antes de embarcarmos. Conversávamos a sós muito suavemente e, esquecendo o passado e voltando-nos para o futuro, nos interrogávamos mutuamente, à luz da Verdade presente, que sois Vós, qual seria a vida eterna dos Santos, que nem os olhos viram nem os ouvidos escutaram nem jamais passou pelo pensamento do homem. Mas os nossos corações suspiravam pela corrente celeste, que brota da vossa fonte, a fonte de vida, que está em Vós.

(Interrompo aqui: veja qual o escopo da conversa entre essa mãe e esse filho. Como nos questiona!!! De quantas bugigangas nos ocupamos com nossos filhos, e nos esquecemos de prepará-los para o essencial... Que nossas coisas pequenas, nossos momentos com nossos filhos apontem para o essencial invisível aos olhos!!!)

Assim falava eu, embora não por este modo e por estas palavras; contudo bem sabeis, Senhor, quanto o mundo e os seus prazeres nos pareciam vis naquele dia em que assim conversávamos. Minha mãe acrescentou ainda: «Filho, quanto a mim, já nada me dá gosto nesta vida. Não sei o que faço ainda aqui, porque já nada espero deste mundo. Havia só uma razão pela qual eu desejava prolongar um pouco mais esta vida: ver-te cristão católico, antes de eu morrer. Deus concedeu-me esta graça de modo superabundante, pois vejo que já desprezas a felicidade terrena para servires o Senhor. Que faço eu ainda aqui?».

Não me lembro bem do que lhe respondi a respeito destas palavras. Entretanto, passados cinco dias ou pouco mais, ela caiu de cama com febre. Num daqueles dias da sua doença, perdeu os sentidos e durante um curto espaço de tempo não dava acordo dos presentes. Acorremos logo e depressa recuperou os sentidos. Vendo-nos de pé, junto de si, a mim e ao meu irmão, disse-nos como quem procura alguma coisa: «Onde estava eu?».

Depois, vendo-nos atônitos de tristeza, disse: «Sepultareis aqui a vossa mãe». Eu estava calado e tentava conter as lágrimas. Meu irmão, porém, proferiu algumas palavras, mostrando a preferência de que ela não morresse em país estranho, mas na sua pátria.

Ouvindo isto, fixou nele um olhar cheio de angústia, censurando-o por pensar assim e, olhando depois para mim, disse: «Repara no que ele diz». E em seguida disse para ambos: «Sepultai este corpo em qualquer parte e não vos preocupeis com ele. Só vos peço que vos lembreis de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejais». (Mais uma interrupção minha: de fato, a Pátria dela era outra. Era para isso que ela tinha preparado seus filhos!) Tendo feito esta recomendação com as palavras que pôde, calou-se. Entretanto agravava-se a enfermidade e o sofrimento prolongava-se.

Finalmente, no nono dia da sua doença, aos cinqüenta e seis anos de idade e no trigésimo terceiro da minha vida, aquela alma piedosa e santa libertou-se do corpo.

Um comentário:

orvalho do ceu disse...

Emerson,
Santa Mônica é um exemplo de perseverança e de convicção do Lugar que Deus deve ocupar em nossa mente e coração...
Ótima abordagem, meu irmão em Cristo.
Abraços fraternos