segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Cristo vence, Cristo reina!!! Mais um anos se vai, e...


Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Como sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também nos dias do Filho do Homem: 
comiam, bebiam, os homens casavam-se e as mulheres eram dadas em casamento, até ao dia em que Noé entrou na Arca e veio o dilúvio, que os fez perecer a todos. 
O mesmo sucedeu nos dias de Lot: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam, construíam; 
mas, no dia em que Lot saiu de Sodoma, Deus fez cair do céu uma chuva de fogo e enxofre, que os matou a todos. 
Assim será no dia em que o Filho do Homem se revelar. 
Nesse dia, quem estiver no terraço e tiver as suas coisas em casa não desça para as tirar; e, do mesmo modo, quem estiver no campo não volte atrás. 
Lembrai-vos da mulher de Lot. 
Quem procurar salvar a vida, há-de perdê-la; e quem a perder, há-de conservá-la. 
Digo-vos que, nessa noite, estarão dois numa cama: um será tomado e o outro será deixado. 
Duas mulheres estarão juntas a moer: uma será tomada e a outra será deixada. 
Dois homens estarão no campo: um será tomado e o outro será deixado.» 
Tomando a palavra, os discípulos disseram-lhe: «Senhor, onde sucederá isso?» Respondeu-lhes: «Onde estiver o corpo, lá se juntarão também os abutres.»  (Lc 17,26-37)


Meus caros,

esse Evangelho foi proclamado há poucos dias! Lembrem-se de que este é o mês de novembro. No próximo dia 26, sábado, com a Oração de Noa (das quinze horas), encerra-se o ano litúrgico. Encerra-se, pois, para os católicos, mais um ano. Encerrar um ano nos faz lembrar da brevidade da vida. Lembra-nos de que "o homem é como a erva, que de manhã floresce e de tarde resseca" (cf. Sl 89). É neste contexto que esse mês foi iniciado com a Solenidade de Todos os Santos e com a Comemoração dos Fiéis Defuntos. Também as ordens religiosas celebram os seus santos e defuntos neste mês. Celebrar os santos é lembrar das razões pelas quais estamos aqui, porque neles, revela-se de tantos modos o que é uma vida vivida de modo a valer à pena, ou seja, uma vida vivida toda ela apontada para Cristo, não obstante seus pecados, que foram redimidos por Ele, mediante grande combate espiritual, símbolo da Páscoa do mesmo Cristo. A última semana é marcada pela Solenidade de Cristo Rei, que, segundo Von Balthasar, é o meio pelo qual todas as realidades tendem para Deus, a quem o Reino de Cristo é finalmente entregue qual sacrifício pacífico. Diz o supracitado teólogo: 

“Deus é o fim último das criaturas: ele é o céu para quem o alcança, o inferno para quem o perde, o juízo para quem por ele é examinado, o purgatório para quem é por ele purificado... e tudo isto no modo em que ele dirigiu-se ao mundo, isto é, no seu Filho, Jesus Cristo, que é a possibilidade de revelação de Deus e, portanto, a síntese das coisas últimas.”

Por isso, depois de termos meditado sobre a perfeita alegria e a tendência de todas as realidades à Única, Última e Suprema Realidade, Cristo, pareceu-me muito apropriado trazer as palavras que a Liturgia nos trouxe (em azul e vermelho, lá em cima). É interessante como a imagem do dilúvio e do fogo são loquazes, embora não muito comentadas.

Essas imagens já haviam sido evocadas antes... No Princípio, ... "o Espírito pairava sobre as águas", depois aconteceu o dilúvio, nos tempos de Noé. Nos tempos de Moisés, o povo "atravessou o mar Vermelho a pé enxuto". E mais uma vez isso aconteceu na travessia do Rio Jordão. Jesus procurou João, que batizava no Jordão, e aquela efusão de águas já apontava para a vinda do Messias, aquele que deveria "batizar não com água, mas com o Espírito Santo e o fogo". É ainda interessante lembrar o diálogo de Jesus com Nicodemos (Jo 3), sobre a necessidade de nascer de novo, fato que deveria acontecer mediante a água e o Espírito Santo. Como não lembrar também do diálogo de Jesus com a samaritana (Jo 4) em que Ele mesmo, pedindo de beber àquela estrangeira, se diz a "fonte de água que jorra para vida eterna".

O fogo igualmente é lembrado desde a Antiga Aliança. Foram várias as manifestações assim. O Evangelho de hoje descreve como foram destruídas Sodoma e Gomorra. Mas foi como fogo que Deus se manifestou a Moisés na sarça ardente (Ex 3), e ao povo no Monte Horeb, quando lhe deu a Lei (Ex 19). Essa última imagem, da Lei dada mediante o fogo, que um dos grandes símbolos do Espírito Santo, o Espírito de Cristo Ressuscitado é o fogo, como aparece em At 2, quando aos apóstolos e Maria reunidos em oração é dado o Espírito Santo sob o aspecto de fogo e eles começam a anunciar e testemunhar o Mistério de Cristo intrepidamente a todas as nações. Em uma passagem do Evangelho de Lucas, Jesus mesmo diz que lhe espera um batismo de fogo, pelo qual Ele mesmo ansiava. Isso corresponderia à sua morte e à efusão do Espírito Santo.

A água e o fogo... Símbolos da purificação da face da terra. Por diversas vezes e de muitos modos, eles se põem a serviço de Deus propondo uma escolha livre para todos os homens: tornarem-se outros ungidos, imagem e semelhança de Cristo, naquilo que eles mesmos o são, mas sequer o sabem. Esse é o nosso tempo, o tempo da história, onde a Igreja, qual ministra e símbolo eficaz do Amor de Deus para conosco ministra os sacramentos e convida a todos à salvação. Mais ainda, é o tempo onde somos purificados pelas águas de nossas lágrimas, pela "chama viva de amor" (usando um termo de São João da Cruz), que queima nosso coração pela compunção e pela contrição. É o tempo do refrigério da misericórdia de Deus, quando o tempo é a oportunidade de exercitarmo-nos no Amor dEle. É o tempo de apaixonar-se por Ele, nAquele fogo típico dos apaixonados, que se preparam para suas núpcias...

...porque no dia das núpcias, essa água e esse fogo já não serão uma proposta para uma livre escolha; serão uma necessidade! Impressiona a imagem trágica que no Evangelho de hoje Jesus traz. Trata-se de uma água e de um fogo sem controle nenhum. Apelando para imagens das antigas tragédias narradas pelos textos israelíticos, Jesus apresenta a imagem de uma grande tragédia. E tudo aquilo que a água e o fogo evocam, como nos três últimos parágrafos pude apenas lembrar, está implicado no processo que Jesus apresenta como iminente.

Que significa isso?

Primeiro, que a água e o fogo já vêm operando nos Sacramentos. Todo aquele que se aproxima de Deus, aproxima-se de realidades assim. A oração vai desvelando o olhar do fiel para que possa compreender a purificação e a conservação do fiel no amor a Cristo.

Depois, a criação inteira espera por esse Dia, porque ela, por causa de nossa sujeição ao pecado, chora e geme as dores de parto. Parece-me que esse é o Dia do parto, onde a criação estará inteiramente transfigurada. Aliás, Cristo, ao aparecer transfigurado a Pedro, Tiago e João, no Monte Tabor, apresenta-se com uma veste branca, da qual o evangelista faz questão de dizer "de modo que nenhuma lavadeira conseguiria lavar". Que água é essa que lavou as vestes de Cristo? Sabemos, do Apocalipse, que os justos lavaram suas vestes, agora igualmente brancas, no "sangue do Cordeiro", simbolizando ao mesmo tempo a Eucaristia, a atualidade do sacrifício de Cristo na cruz, e o derramamento de sangue dos mártires, que, como Igreja, constituem o Corpo de Cristo. A criação inteira espera o momento de se revelarem os filhos de Deus. E, vamos e venhamos, de fato, pelo Sacramento do Batismo e unicamente por ele, tornamo-nos filhos de Deus, ou seja, acabamos de sair de nossa orfandade natural, de nosso alheamento natural do Real, para ser uma manifestação de tudo aquilo que procede dEle (ou seja do Espírito Santo, simbolizado pelo fogo). Mas quem pode arrogar-se esse direito? É engraçado: o brasileiro gosta de dizer que "também sou filho de Deus". É interessante essa afirmação porque de certo modo revela as raízes cristãs de nossa cultura. Porém, acaba criando uma parresia abusada. Parece que temos direito a tudo da parte de Deus. E não é assim. A grandeza de Deus não se manifestou por uma justiça que não fosse gratuidade. Somente a graça é nosso tudo. O resto é nada. Quando as torrentes vierem, quando o fogo vier, ou seja, quando Cristo se manifestar tal qual Ele é, esse resto vai mostrar exatamente o que é. Aliás, alguns místicos puderam manifestar o amor pelo seu NADA como amor à GRAÇA. Pudemos falar de textos de São Francisco e São Gregório de Nissa. São João da Cruz, ao falar da Noite Escura, está falando exatamente disso. Não é uma esquizofrenia, mas um olhar aberto para coisas que as pessoas em geral não costumam ou não querem ver. Mas, realmente, o "peregrino russo", personagem surgido no século XIX na literatura sacra ortodoxa, depois de ter se condicionado por um bom tempo a invocar o Nome de Jesus, começou a percebê-lo em tudo, e até "sentir-se meio bizarro", um estranho no meio dos outros homens. Nesses casos, trata-se do despertar da alma para Deus. Que despertemos e vigiemos antes que aquilo que consideramos tranqüila e indolentemente como TUDO se transforme em NADA!

Por fim, São Paulo lembra na I Carta aos Coríntios (1Cor 15): "Cristo será tudo em todos!" Se há uma predestinação no homem e não só nele, mas em todo o cosmos é: "Cristo será tudo em todos!" Vejam bem o que Cristo diz: "onde estiver o cadáver, aí estarão os abutres". Segundo a descrição em tom apocalíptico, os cadáveres estarão em todo lugar, como acabara de dizer: "fez morrer todos". Ou seja, tudo o que se realiza e vive neste mundo estará nu diante do olhar de Cristo. Sua Presença já não será uma presença velada, mas uma Supra-Presença, de tal modo que nada mais será recurso para o homem. E tudo que, como cadáver se expõe ao olhar dos abutres, estiver sob o seu olhar será nEle consumado.

E nosso eu? Que será dele? São Paulo lembra que nossos olhos não viram, nossos ouvidos não ouviram, nosso coração jamais percebeu. Eu não sei! Gostaria de pensar apenas que, a exemplo do "peregrino russo", esse personagem emblemático da mística cristã que encarna toda a Tradição orante, essa bizarrice que ele sentiu a respeito dele mesmo seria uma expressão de seu verdadeiro ser, como a Transfiguração foi, de Jesus para os Apóstolos. Essa estranheza é mais ou menos como talvez nos sintamos com relação a nós mesmos quando nos deparamos com temas ou até mesmo fatos relacionados à nossa morte, nossa caducidade, nossa perecibilidade. Essa estranheza revela o quanto até mesmo nós somo-nos estranhos. E isso é tão visível, sobretudo quando odiamos, quando nos revoltamos, quando maquinamos contra o outro, quando mesmo nos perturbamos com tantas tribulações. Nós não sabemos quem somos! Talvez por isso não saibamos como é o Reino de Deus. Mas, no Evangelho de ontem, trecho anterior ao acima citado em azul, Jesus diz: "O Reino não vem ostensivamente, mas está dentro de vós". Como perceber o Reino se não nos percebemos, se há uma raiz filauciosa, de amor odioso contra nós mesmos?

É disso que o Cristo vem nos salvar: dessa estranheza. Essa é a medida do pecado em nossas vidas. Gostaria de rezar com todos vocês as palavras proferidas pelo Santo Padre numa catequese de três anos atrás: "Vinde, Senhor! Vinde a vosso mundo, na forma que tu sabes. Vem onde há injustiça e violência. Vem aos campos de refugiados, em Darfur e em Kivu do Norte, em tantos lugares do mundo. Vinde onde dominam as drogas. Vinde também entre esses ricos que vos esqueceram, que vivem só para si mesmos. Vinde onde sois desconhecido. Vinde a vosso mundo e renovai o mundo de hoje. Vinde também a nossos corações, vinde e renovai nossa vida, vinde a nosso coração para que nós mesmos possamos ser luz de Deus, presença vossa. Neste sentido rezamos com São Paulo: Maranà,thà! «Vinde, Senhor Jesus!», e rezamos para que Cristo esteja realmente presente hoje em nosso mundo e o renove."

A Ele, o Santo, o Único e o Imortal, a glória e o poder, a realeza e a honra, a força e a soberania, hoje e por todos os séculos dos séculos. Amém!


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