segunda-feira, 2 de maio de 2011

Continuando a aprender com Bento XVI - A Última Ceia

Caros,

ontem terminamos de celebrar o Dia de Páscoa, completado em sua Oitava. Agora, continuamos por mais seis semanas a contemplar, celebrar, meditar esse Mistério tão grande, durante o Tempo Pascal, que se completa com o Dia de Pentecostes, esse ano 12 de junho. Nesse tempo, a Igreja quer meditar com seus filhos o significado das aparições de Jesus (semana passada), os sacramentos de inciação cristã (essas próximas 3 semanas) e o Dom do Espírito Santo, meio através do qual todos os Sacramentos são-nos transmitidos. De fato, era assim que ontem, Oitava de Páscoa, pedíamos a Deus, nas horas canônicas e na Santa Missa: "Fazei que compreendamos melhor o batismo que nos lavou, o Espírito que nos deu vida nova, e o Sangue que nos redimiu".  De fato, a forma extraordinária da Missa em Rito Latino ainda prevê a leitura de um trecho da I Carta de São João, onde nos é lembrado (1Jo 5,6-8): "Ei-lo, Jesus Cristo, aquele que veio pela água e pelo sangue; não só pela água, mas pela água e pelo sangue. E o Espírito é quem dá testemunho dEle, porque o Espírito é a verdade. São, assim, três os que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue; estes três dão o mesmo testemunho". Este é, pois, o tempo de aprendermos a ler em nossa existência cristã esse testemunho, até mesmo porque, sem eles essa mesma existência deixa de ser propriamente cristã. Voltaremos ainda a esse ponto com um texto dos Padres da Igreja, que são ricos e belíssimos nesse sentido.

Voltemos ao Papa Bento XVI. Em seu livro recém-lançado, Jesus de Nazaré, cujo comentário iniciei em março e fiquei devendo em abril, ele dedica um capítulo inteiro à Última Ceia de Jesus. Entre outros aspectos, parece-me decisivo comentar este, no que tange ao anúncio alegre das bem-aventuranças, seus milagres e portentos e mesmo uma Ceia Pascal, cujo caráter era sempre festivo, coadunarem com a idéia do sacrifício do Calvário. A ele (capítulo V):

"Um fato tão grandioso e único do ponto de vista teológico da história das religiões, como é ilustrado pelas narrações da Última Ceia não podia deixar de ser posto em questão pela teologia moderna: a imagem do rabi afável que muitos exegetas traçam de Jesus não é compatível com uma realidade tão inaudita. Nõ se pode 'crê-lO capaz' disso. E, naturalmente, também não concorda com a imagem de Jesus como rebelde político. Deste modo, uma parte considerável da exegese atual contesta que as palavras da instituição remontem verdadeiramente a Jesus. Dado que se tratam aqui do núcleo, em absoluto, do cristianismo e do aspecto central da figura de Jesus, devemos ver o assunto mais de perto."

(Observação minha: uma horda de teólogos propugna o relativismo sem fronteiras e ousa inclusive pôr em dúvida se as palavras da instituição da Eucaristia foram ou não de Jesus. Não haveria problemas maiores se isso não saíssem de seus acolchoados escritórios. O problema é que tal expediente está presente liminar ou subliminarmente entre muitos padres e até bispos, chegando a estragar a experiência de fé dos fiéis. É um desafio muito grande fazer com que uma Igreja de 1 bilhão de membros, ainda que a maioria - talvez até por causa disso também - seja apenas estatística, venha a crer primeiramente na divindade de Jesus e finalmente de que Ele e o Pai são capazes livremente de tomar qualquer ação em prol da salvação da humanidade por amor. Pois bem, se o desafio é grande, e muito de seu enfrentamento vem prioritariamente de Deus, por pura graça e misericórdia, Bento XVI, qual bom pastor, aceita o desafio. É verdade, leu muito, estudou muito, mas acima de tudo, crê muito, reza muito!!!)

"A objeção principal contra a originalidade histórica das palavras e dos gestos da Última Ceia pode ser resumida assim: haverá uma contradição insolúvel entre a mensagem de Jesus sobre o Reino de Deus e a idéia de seua morte expiatória em função vicária. Ora, o núcleo íntimo das palavras da Última Ceia é o 'por vós - por muitos', a autodoação vicária de Jesus e, conjuntamente, a idéia de expiação. Enquanto João Batista, perante o juízo iminente, chamou à conversão, Jesus, como mensageiro da alegria, terá anunciado  proximidade do domínio de Deus e a vontade incondicionada de perdão, o domínio da bondade e da misericórdia de Deus. 'A última palavra, que Deus pronuncia através do seu último mensageiro (o mensageiro da alegria depois do último mensageiro do juízo, João Batista), é uma palavra de salvação. O que caracteriza o anúncio de Jesus é a orientação claramente prioritária para a promessa de salvação por parte de Deus, bem como a superação do Deus juiz iminente pelo Deus de bondade já presente". Com estas palavras, resume (Rudolph) Pesch o conteúdo essencial do raciocínio que sustenta a incompatibilidade da tradição sobre a Última Ceia com a novidade e a especificidade do anúncio de Jesus (Abendmahl, ref.)"

(Observação minha: desse ponto, Bento XVI segue sua linha acompanhando o que os teólogos liberais têm fumado por aí afora. Então, é chegada a hora de responder à pergunta:) "a expiação é compatível com a imagem pura de Deus? Não se trata, porventura, de um nível do desenvolvimento religioso da humanidade que deve ser superado? Porventuira Jesus, para ser o novo mensageiro de Deus, não deverá contrapôr-Se a esta idéia? (...)"

(...)

"De per si, uma tal evolução, ou seja, a entrada num novo caminho do amor depois da falência de uma primeira oferta, segundo a inteira estrutura da imagem bíblica de Deus e da história da salvação, é possível certamente. Dos caminhos da história de Deus com os homens, tal como são ilustrados no Antigos testamento, faz parte precisamente 'a flexibilidade' de Deus, que espera a decisão livre do homem e de cada 'não' faz brotar um novo caminho de amor. "

(...)

(Observação minha: meu caro, observe a sensibilidade com que Bento XVI responde à pergunta. Ele contempla o Deus das Escrituras, o Deus a quem Adão respondeu com um não, o Deus que tolerou Babel até seu termo, ,etc., até encontrar seu Filho ... entregue, crucificado, morto. Como diz o Salmo 102, trata-se de um Deus paciente, piedoso e compassivo, na maior radicalidade que se puder ou até mesmo não se puder alcançar esses termos. O leitor mais sensível vai perceber ainda um ponto importante, este relativo ao autor: percebe como Bento XVI, como Papa, age justamente assim? Não deixa de agir, não se omite, não é um cão mudo, como certos clérigos, mas não tem em si a pretensão de mudar radicalmente, de uma hora para outra, o destino de uma Igreja que padece , que certamente não é a Igreja de nossos sonhos, mas é a única Igreja de Cristo).

"O capítulo VI do Evangelho de João parece aludir a uma tal viragem no caminho de Jesus com os homens (Obs.: está na Missa do sábado da semana que vem, durante a qual a Igreja passa por uma catequese eucarística). ois de seu discurso eucarístico, o povo e muitos dos discípulos vão-se embora. Com ele, ficam apenas os Doze. Encontramos uma cisão semelhante no Evangelho de Marcos quando Jesus, depois da segunda multiplicação dos pães e da confissão de Pedro (cf. 8,27-30), inicia as predições da Paixão e Se encaminha para Jerusalém e para a sua última Páscoa" (Obs.: desse ponto em diante, os discípulos, que se orgulhavam dos milagres que faziam, não conseguem fazer um só milagre - a fé ficou menor do que uma semente de mostarda!!!).

"(...) Para Romano Guardini, nas suas obras sobre Jesus, (...), a mensagem de Jesus começa claramente com a oferta do Reino; o 'não' de Israel terá suscitado a nova fase da história da salvação, de que fazem parte a morte e a ressurreição do Senhor e a Igreja dos gentios."

(...)

" (...) Jesus identifica a sua missão com a que foi confiada a Isaías depois do encontro com o Deus vivo no Templo: fora dito ao profeta que, num primeiro tempo, a sua missão teria contribuído apenas para uma obstinação ainda maior e só através desta é que poderia depois chegar à salvação. Aos discípulos, Jesus, já na primeira fase do seu anúncio, diz-lhes precisamente que essa terá sido a estrutura do seu caminho (cf. Mc 4,10-12; Is 6,9-10)."

"Mas, deste modo, todas as parábolas - a mensagem inteira do Reino - são colocadas sob o signo da cruz. Partindo da Última Ceia e da ressurreição, poderemos afirmar que é precisamente a cruz a radicalização extrema do amor incondicionado de Deus: amor em que Ele não obstante toda a negação por parte dos homens, Se dá a Si mesmo, toma sobre Si o 'não' dos homens, atraindo-o deste modo para dentro do seu 'sim' (cf. 2Cor 1,19)."

Assim, "não existe contradição entre a jubilosa mensagem de Jesus e a sua aceitação da cruz enquanto morte pela multidão; antes, pelo contrário: só na aceitação e na transformação da morte é que o feliz anúncio atinge toda a sua profundidade. Aliás, a idéia de que a Eucaristia se tenha formado no âmbito da 'comunidade' é mesmo do ponto de vista histórico, absolutamente absurda. Quem poder permitir-se conceber um tal pensamento, criar uma tal realidade? Como teria sido possível os primeiros cristãos - evidentemente, já nos anos 30 - aceitarem semelhante invenção sem levar obejeções?

(Observação minha: aqui, no auge dessa resposta de Sua Santidade, páro e fico a contemplar. Não bastasse o fato de que o Mistério Pascal -Paixão, Moste, Sepultura e Ressurreição - de Cristo em nada contradiz seu anúncio do Reino, antes o justifica, aqui o autor trata de voltar ao tema que o motivou a isso. A instituição foi feita por Ele ou não? Seria isso coerente com o Reino? Meus caros, se não fosse isso, que Reino? De que Reino poderia se tratar? Dos reinos das utopias humanas, em que alguém tem uma idéia genial e alcança uma multidão que a legitime socialmente e as forças de consenso venham a preponderar? Mas esses reinos sempre existiram, e o único odor que produziram foi o de morte, de tristeza, de um visível ocaso da história. O Reino é impossível sem que alguém se entregue e sem que esse alguém seja Deus mesmo. Só Ele penetra so seu profundo significado, só ele "inte-lege", lê por dentro e o torna possível. Só Ele é o Reino. E mais, se a Eucaristia ao fosse dEle, dom dEle, sempre dEle, em favor de nós e de muitos, se a Eucaristia fosse sempre ou, ao menos que fosse, algo deliberado pela comunidade, ela seria apenas um simulacro do Reino, o ópio das massas. Quanto desse conteúdo ateu, neopagão, apóstata, ruído em sua continuidade com a entrega de Jesus, a tradição apostólica, o testemnuho dos mártires e da vida dos santos, não está em nossas paróquias, conventos, mosteiros e comunidades diversas? Em quantos lurgares, subsistem apenas o núcleo pela fé de um mínimo rebanho, proporcional a eles? Se a Eucaristia não for reconhecida como um Dom de Jesus em pessoa e só depois, tomando a orgânica continuidade dos tempos na elaboração da Liturgia, ela corre o risco de perder muito, inclusive a cair em simulacro, e a nós fiéis, resta-nos um testemunho radical, num olhar fixo em Jesus, ou uma apostasia tranqüila, mas longe, bem distante de Deus.)

Voltamos ainda em breve em considerações sobre a Eucaristia, da parte do Papa Bento XVI.

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