(De Véronique. Dialogue del'históire et de l'ame charnelle)
Aquilo que se quer dizer, aquilo que se está dizendo, aquilo que se deve constatar é que já há um outro mundo, um mundo novo e que este mundo moderno não é somente um mau mundo cristão, um mundo mau cristão, o que não seria nada, na aparência, mas um mundo não-cristão, descristianizado, absolutamente, literalmente, totalmente não-cristão. Isso é o que se quer dizer. Isso é o que se precisa dizer. Isso é o que se precisa ver.
Se fosse somente a história, a velha história, se fossem somente os pecados que reaprisionaram uma outra vez, não seria nada, meu pequeno amigo, não seria nada: teríamos nos acostumado; estamos acostumados; o mundo nos acostumou. Seria no máximo um mau cristianismo, uma má cristandade, um mau século cristão, como muitos outros, depois de muitos outros. Houve muitos deles. Vimos muitos deles. Se se conhecesse bem a história, e todavia como a conheço eu, talvez se soubesse, saber-se-ia talvez que sempre foi assim, que todos os séculos, todos esses vinte séculos sempre foram, todos foram séculos de grande miséria cristã, de uma grande miséria mística, maus séculos cristãos, séculos maus cristãos, isto é, que o contingente dos santos talvez tenha sido sempre mísero, amiúde ínfimo defronte dos pecadores, respeito aos pecadores, em confronto ao contingente dos pecadores; e quando os santos triunfavam eternamente, raros santos, talvez, certamente, ao contrário, as massas, povos de pecadores, exerciam o seu trabalho, a sua tarefa, o pecado, massas, povos de pecadores dominavam temporalmente; enquanto os santos, raros santos salvavam a si mesmos (e talvez os outros) eternamente, cuidavam da sua salvação eterna e, talvez, da dos outros, dos pecadores, das massas incalculáveis desses outros, desse pecadores temporalmente perdidos e que se arriscavam perder-se. Era isso, desgraçadamente, infelizmente, o próprio regime. Eram exatamente estas as misérias cristãs. Era esta também a grandeza cristã.
Mas o que não é mais regime por nada, mais desgraçadamente, e mais do que infelizmente, o que não é mais a média, não é mais a norma, que é exatamente o desastre e a descristianização, é que as nossas misérias não são mais cristãs. A nossa mesma miséria não é mais uma miséria cristã. Eis a verdade. Eis o novo. Até quando as misérias, até quando a miséria era uma miséria cristã, até quando as baixezas eram cristãs, até quando os vícios causavam os pecados, até quando os crimes causavam as perdições, havia alguma coisa de bom, por assim dizer.
Entendes bem, meu amigo, como digo isso, em que sentido?
Havia esperança; havia alguma coisa, havia como que naturalmente a matéria para a graça. Enquanto hoje, tudo é novo, tudo é diferente. Tudo é moderno. Eis aquilo que se precisa ver. Eis aquilo que se precisa dizer. Eis aquilo que não se pode negar. Tudo é não-cristão, perfeitamente descristianizado. Ai de mim, ai de mim, se desgraçadamente tudo não fosse senão mau cristão, poder-se-ia ainda ver, poder-se-ia discutir. Mas quando se fala da descristianização, quando se diz que há um mundo moderno, e que é perfeitamente descristianizado, totalmente não-cristão, quer se dizer exatamente que se renunciou a todo o sistema, no conjunto, que se move inteiramente fora do sistema, não se quer dizer nada mais que a renúncia de todos ao cristianismo e a constituição de um outro sistema, infinitamente outro, novo, livre, inteiramente, absolutamente independente.
Se houvesse só um mau cristianismo, ai de mim, meu amigo, ai de mim, meu jovem, não seria nada de novo, não seria por nada (além do mais), não seria por nada mais interessante. Tu entendes bem, meu pobre amigo, como eu o digo e em que sentido. Mas a coisa interessante, a coisa nova, é que não há absolutamente mais cristianismo. Essa é exatamente não somente a extensão, mas a natureza e assim como a espécie de um desastre.
Quando os católicos estiverem dispostos a vê-lo, somente a medi-lo, a confessá-lo, quando estiverem dispostos a reconhecê-lo e a dar-se conta de onde vem, quando terão eles renunciado àquela fraqueza de diagnóstico, então, mas somente então, poderão fazer alguma coisa útil, então, mas somente então, não estarão mais inertes, eles mesmos uns deslocados. E falaremos disso, talvez se possa falar. Mas a coisa que não queremos reconhecer, a novidade é aquilo que é novo, aquilo que é interessante. Ai de mim, ai de mim, filho meu, tu sabes como eu o digo.
É precisamente um mundo moderno, uma sociedade moderna (eu não digo absolutamente uma cidade moderna e, como diz a canção, amigo meu, e tu me entendes bem), este mundo, esta sociedade, este moderno constituído inteiramente exteriormente, inteiramente fora do cristianismo. Porque aqui não se trata mais de dificuldades internas, mas ao contrário, de uma exterioridade completa e todavia não de uma dificuldade externa, que seriam ainda de relações, de ligações, mas, ao contrário, de uma ausência completa de relações, de ligações, de ligaduras, e também, na realidade, de dificuldade, uma ausência muito particular, enfim, e extremamente inquietante, inquietante no nível máximo, uma independência mútua e recíproca, uma estranheza particular.
Vimos constituir-se ou fundar-se, instituir-se, viver, acomodar-se, estabelecer-se, funcionar, debaixo de nossos olhos, um mundo, uma sociedade, não digo absolutamente uma cidade, perfeitamente visível e inteiramente não-cristã. Precisa-se confessá-lo, precisa-se confessá-lo. Negá-lo é um problema. E como o mundo tinha visto, como eu tinha visto, eu, a história, mundos inteiros, humanidades, humanidades inteiras viver e prosperar antes de Jesus, assim vimos a dor de ver mundos inteiros, humanidades inteiras viver e prosperar depois de Jesus. Sem Jesus, umas e outras.
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