Quantas vezes, no caminho, tantas coisas nos cansam e nos fazem desfalecer. Elas expõem nossas fraquezas, abrem nossas feridas, chocam nossa estreita inteligência, partem nosso coração. Às vezes, pensamos que um deus à nossa medida fosse mais agradável, que um cristo eleito por nossas conveniências, descoberto por nossa ciência, levado ao mundo por nossa tecnologia, do tamanho de nossa ética equivocada fosse mais interessante, pois não nos traria tanto problema...
Mas de que nos serviria ele? Talvez fosse a expressão de nosso próprio desespero, de nossa angústia existencial. Ao descobrirmos de que ele nada nos serviria, trocaríamos de deus. Talvez o fantasiássemos, o mascarássemos, fizéssemos um carnaval com ele, brindaríamos e depois choraríamos imensamente por causa de uma vida sem sentido. Nossa vida não passaria de um amargor terrível, uma brincadeira sem sentido. Depois descobriríamos que essa coisa de ter um deus seria irrelevante. Mas tu, Senhor, não te deixas mascarar. Tu nos mostras uma realidade dura. Tu nos revelas que nossa vida também foi entregue nas mãos dos homens. Afinal de contas, quem nunca se sentiu assim?
Tua santidade é massacrante, Senhor! Tua lógica, incompreensível. Mas tu nos encantaste. Fizeste retornar o brilho de nossos olhos, “fizeste resplandecer a alegria” em nós. E tudo isso, porque entraste em nossa vida. Fomos entregues nas mãos dos homens, tu também o foste. Não queríamos que fosse assim, mas foi, e tu foste junto. Não nos deixaste sozinhos, e a expressão máxima de tua companhia está no crucifixo. Teu silêncio fala ao nosso silêncio. Tu te fizeste refém com os reféns, rejeitado com os rejeitados, odiado com os odiados, acidentado com os acidentados.
Mas o que isso nos traz? Afinal de contas, morreremos. Seremos mais uma vez roubados. Até lá, quantas feridas não serão expostas? O que é viver, Senhor? De que adianta falar se é assim? De que adianta se questionar? De que adianta a arte, a ciência, a economia, a política, a religião? Como pode, Senhor? Tudo isso parece vã ilusão! Nessas horas, cai por terra nossa ciência, nossa tecnologia, nossa ética, nossa moral, nossa vida... Se não descobrirmos que viver é estar contigo, o que resta de nós senão só vãs ilusões? Se não descobrirmos que o fato de viver provém do fato de sermos amados, e tu nos amaste até o fim, dando-nos a prova decidida de teu amor eterno, de que nos vale nascer? Se estás conosco, Senhor, podemos viver! Se estais conosco, podemos reviver, mesmo na cruz, como São Dimas, o bom ladrão, aquelas suaves palavras que disseste: “hoje mesmo estarás comigo, no Paraíso!” Sim, Senhor, estamos dispostos a crer, a apostar que o Paraíso é estar contigo. Se não, estamos sozinhos, expostos a toda fatalidade, sujeitos às intempéries, às leis de causa e efeito, ao aumento de desordem no universo, à justiça injusta da desumana humanidade, à falsa e ilusória propaganda de que nosso futuro está garantido pelas nossas forças tão contraditórias. E sobre quanta ilusão, quanta areia movediça, foi construída a nossa vida!
“Desperta, minh’alma, desperta”! Desperta para esse amor. Se tu continuares adormecida, quando começarás a viver? Desperta para que a felicidade tome conta de teu coração, não obstante a rejeição, a fragilidade e a morte! Sim, Senhor, faz-me compreender que “teu amor chega aos céus, vai mais além do que as nuvens conseguem chegar”, que “teu amor vale mais do que a vida”, porque nele está nossa vida.
Por fim, peço-te, mostra-me teu rosto! Dá-me conhecer teu modo de ser. Sei que constantemente nos entregais essa dádiva, mas minha alma, qual poço sem fundo, ainda não compreendeu. Dá-me conhecer seu teu filho, à imagem de teu Filho, embora crucificado, sobrepujantemente amado. Só esse amor, maior que tudo, pode nos suster nesse mundo e no futuro, hoje e pelos séculos dos séculos. Amém!
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