segunda-feira, 30 de junho de 2008

Música sacra de monges austríacos consegue mais sucesso que Madonna e Amy Winehouse

Mark Landler
Em Heiligenkreuz, na Áustria

À medida que o meio-dia se aproxima, os monges entram na igreja, com os seus capuzes brancos ondulando sobre as costas. Eles fazem fila em silêncio, ficando de frente uns para os outros no longo palanque do coral. Santos de madeira colocados na austera cúpula romanesca olham para baixo.

Os sinos tocam e o cântico tem início - a princípio baixo, mas depois crescendo, à medida que outros monges juntam-se ao coro. As vozes suaves passam por sobre as pedras antigas, substituindo a atmosfera de claustro vazio por algo semelhante ao som da eternidade.

Exceto, é bom que se diga, pelos cliques de uma câmera digital empunhada por um fotógrafo que espreita por detrás de uma coluna de pedra.

Este tipo de fato se repete desde a primavera passada, quando correu a notícia de que os monges cistercianos de Stift Heiligenkreuz, mosteiro situado nas profundezas das florestas de Viena, haviam assinado um contrato para a gravação de um álbum de cantos gregorianos.

Quando o álbum, "Chant: Music for Paradise" ("Canto: Música para oParaíso") foi lançado na Europa em maio - tendo ficado em sétimo lugar na lista britânica de sucessos musicais populares, e em determinado momento tendo vendido mais do que Amy Winehouse e Madonna - a pequena atenção da imprensa transformou-se em uma torrente (o CD será lançado nos Estados Unidos em 1º de julho).

Agora este mosteiro, onde os rituais diários de oração e trabalho orientam a vida dos seus habitantes há 875 anos, vê-se em meio a um turbilhão de mídia ao mesmo tempo animador e incômodo para os seus 77 monges.

"Somos monges", diz Johannes Paul Chavanne, 25, que ingressou no mosteiro após estudar direito em Viena, e que se prepara para ser padre. "Não somos e nem queremos ser astros de música popular".

Tarde demais: o álbum transformou os monges de Heiligenkreuz em um sucesso de vendas, no mais recente exemplo de como o canto gregoriano de mil anos de idade, que no passado era uma parte negligenciada da liturgia católica, pode ser reassimilado por uma sociedade secular que gosta da sua cadência calmante e etérea.

Heiligenkreuz - o nome significa Santa Cruz - encarregou Karl Wallner, um dos seus monges mais ligados ao mundo exterior, de cuidar das relações públicas. Quando não está rezando, ele passa os seus dias atendendo a telefonemas de repórteres que ligam de locais tão remotos como a Nova Zelândia. O seu telefone celular, cujo toque é um canto gregoriano, chama constantemente.

"Sou uma espécie de escudo em torno da minha comunidade", afirma Wallner, que é monge há 26 anos. "No início houve muito temor de que isso destruísse a serenidade do mosteiro".

Alguns monges também temem que transformar os cantos, que são, afinal, orações, em um produto comercial equivale a um tipo de profanação. "É como usar Leonardo da Vinci como papel de parede", compara um dos religiosos. Mas para a maioria deles os riscos são superados por aquilo que acreditam ser o grande potencial da música: provocar sentimentos de fé em uma sociedade que se afastou bastante da religião.

Mesmo assim, a criação desses mais recentes astros monásticos evidencia mais como o mundo secular é capaz de penetrar até nos claustros mais fechados, graças ao poder da Internet.

Em 1994, os beneditinos de Santo Domingo de Silos, na Espanha, promoveram a última grande ressurreição do canto gregoriano com um álbum que se tornou um fenômeno. Mais recentemente, o uso de um canto no popular videogame "Halo" gerou um enorme interesse.

Ansiosa por capitalizar esta onda, a gravadora clássica Universal, de Londres, colocou um anúncio em publicações católicas, convidando grupos de canto a submeterem os seus trabalhos. Os executivos da gravadora achavam que seria muito difícil encontrar um outro grupo como os beneditinos espanhóis.

"Nem todos os monges desejam manter uma relação comercial porque não é isso o que eles passam o dia fazendo", explica Tom Lewis, o gerente de desenvolvimento artístico da Universal Classics and Jazz.

Mas o anúncio foi visto pelo neto de um monge daqui. Ele avisou Wallner, que, além das suas tarefas de relações públicas, administra a academia teológica e o Website do mosteiro.

"Um monge austríaco jamais saberia o que é a Universal Music", diz Wallner. "Nós fomos escolhidos pela divina providência para mostrar que hoje em dia é possível levar uma vida religiosa saudável".

Mas a habilidade do monge, e não divina providência, pode ser a maior responsável por isso tudo. Wallner enviou um e-mail curto a Lewis com um link para um vídeo dos cantos que os monges colocaram no YouTube depois que o Papa Bento 16 visitou o mosteiro em setembro do ano passado.

Embora os monges de vários mosteiros entoem cânticos, Heiligenkreuz tem um orgulho especial da sua música, que foi aperfeiçoada durante anos por um dos monges, que foi regente de corais na Alemanha.

Lewis ficou fascinado, e conta que o vídeo eclipsou os mais de cem outros trabalhos apresentados. "Havia nas vozes uma suavidade que a gente associa a pessoas mais jovens", diz ele.

A Universal negociou um contrato com os monges, que mostraram não ser nem um pouco ingênuos quando se trata de negócios. O fato de o abade Gregor Henckel Donnersmark ter mestrado em administração de empresas e ter administrado o escritório na Espanha de uma companhia de navegação alemã antes de ingressar no mosteiro, em 1977, ajudou bastante.

As cláusulas exigidas por ele determinavam que a Universal não poderia usar os cantos em videogames ou música popular. Os monges jamais se apresentariam em shows. E Heiligenkreuz receberia royalties com base nas vendas do álbum, o que, segundo o abade, equivale a cerca de um euro por CD vendido.

Henckel Donnersmark calcula de forma otimista que o quinhão do mosteiro poderá chegar a algo entre US$ 1,5 milhão e US$ 3,1 milhões, um dinheiro que será usado para ajudar a financiar os estudos teológicos de jovens em países em desenvolvimento. Até o momento a Universal vendeu quase 200 mil cópias.

"O dinheiro não é uma fonte de realização", afirma o abade, embora observe que a quantia recebida aliviará as despesas do mosteiro, que são altas, em parte devido seu sucesso em atrair noviços.

Antes mesmo do lançamento do álbum, esses monges já haviam se encontrado com o mundo do show business. O sobrinho do abade, Florian Henckel von Donnersmark, escreveu o roteiro de "Das Leben der Anderen" ("A Vida dos Outros", Alemanha, 2006), filme premiado pela Academia sobre a Alemanha Oriental, enquanto estava enclausurado em Heiligenkreuz. Ele levou o Oscar ao mosteiro, onde os monges fizeram fila para segurar a estatueta.

"Um lugar como aquele recalibra a bússola moral do indivíduo", disse Henckel von Donnersmark, de Los Angeles, por telefone. "A única coisa na qual essas pessoas pensam é em como amar e servir a Deus".

Por ora, os monges parecem ter certeza de que são capazes de manter o equilíbrio entre essa profunda vocação e o brilho da fama.

"Se os problemas tornarem-se muito grandes, eu pegarei um avião para Santo Domingo de Silos e pedirei conselhos ao abade de lá", diz o abade de Heiligenkreuz.

"Seguir-te-emos aonde quer que vás"

A Sagrada Liturgia é sempre uma fonte de inspiração para os movimentos daquele que se sente impulsionado por esse magnetismo grandioso que nosso Deus exerce em nós. Os rituais das tradições sempre moveram os homens das diversas culturas. Que o Ocidente não esqueça de suas raízes cristãs. Foi aí, afinal, que o cristianismo o ergueu de seus escombros, séculos atrás.

Mas, dentro de nosso contexto 'epectático', surgiu dentro da Sagrada Liturgia, hoje celebrada, uma frase que poderia ser nossa. Depois de Jesus reinterpretar a Lei, no Sermão da Montanha, e de curar a muitos, um escriba se anima e diz: "Nós te seguiremos aonde quer vás!" Interessante é que essa frase vai ser igualmente repetida por Pedro, pouco antes da Paixão, e Jesus irá responder: "negar-me-ás três vezes antes que o galo cante". E, no fim, Jesus permanece sozinho. O escriba está muito animado. É ainda o começo da vida pública de Jesus. É o início do contato com Ele. Precisa ser provado.

Não é à toa que Jesus responde: "as aves têm seus ninhos, e as raposas têm suas tocas, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça". Lembremos: no fim, Ele permanece na mais profunda solidão humana: "meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" No fim, nem no Pai Ele poderá reclinar a cabeça. No fim, só a cruz será o espaço para reclinar a cabeça. Depois, sua sepultura.

Jesus revela ao escriba sua singularidade radical, típica do homem. O homem é só. Sim! Não se espante! Você é só! Mas não há nada de anormal nisso: você, meu caro leitor, é gente. Há quem pense que foi feito para os pais, para os filhos, para o esposo, para a esposa, para o trabalho, para o futebol de fim de semana, para a paróquia, para a curtição de sábado à noite... No fundo, se isso lhe falta, perde-se o chão, o sentido, o oriente da vida. Essas perdas nos revelam: o homem é só. O estar com o outro é apenas um meio de aprender a ser só. O estar com o outro proporciona a ele que possa sentir-se mais à vontade com sua solidão, sentir seu interior, conhecer-se. Igualmente, a relação proporciona, através da escuta, uma experiência de transcendência, de sair de si, de ir para muito além de si, uma terra estrangeira, onde posso descobrir meu papel. Essa terra estrangeira se chama: o Outro. Essa terra é aquela à qual Abraão foi chamado a buscar. Foi lá que Moisés teve de tirar as sandálias, em sinal de profundo respeito. Foi lá, onde Jesus ressuscitou da morte...

Pai Alônio, no deserto Scetia, região do Alto Nilo, disse uma vez: "se o homem não disser em seu coração: 'somente existimos eu e Deus', não conseguirá tranqüilidade de espírito". Esse apoftegma de alguém profundamente provado no deserto da vida reflete com bastante precisão o que representa a solidão na vida humana. É sua condição radical. É ali que encontra a paz. Sua felicidade não depende de outros, bem como sua infelicidade. Cuidado, aqui! Não significa isolamento. Significa saber-se só em si mesmo, saber-se um em si mesmo. Só assim poderá ir ao encontro dos outros livremente, nada esperando deles em troca.

A esse respeito, também escreve São Gregório Magno, ao narrar o início da biografia de Nosso Pai São Bento, que fugiu para Subiaco para estar consigo mesmo. Eis o desafio de um ser humano por toda a vida: estar consigo mesmo. Não significa que cada um de nós deva se retirar para uma gruta, uma selva, um ermo ou um deserto para tal. Isso é vocação apenas para alguns. Em outros casos, pode ser uma patologia. É importante, entretanto, lembrar do que isso significa: na vida, encontraremos sempre o deserto, por mais que tentemos nos afastar dele. O outro será nosso deserto. Ele sempre desmascarará nossas ambições, nossos caprichos, nossa vontade doente. Grandes lutas se travarão aí. O problema é que se essa luta não se der dentro de si, dar-se-á fora. E assim surgem os problemas, as guerras interpessoais, que, conforme lembra São Tiago Apóstolo, são provocadas pelas paixões em conflito dentro de nós.

Não nos iludamos: também nós não temos onde reclinar a cabeça. Procuramos um colo, um travesseiro, um apoio. Não nos apeguemos a eles. Pode ser que amanhã já não o sejam. E nós? Deixaremos de ser por isso?

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A Epectase

Meus amigos,

depois de algum tempo de surgimento dos web logs, cedi à resistência e resolvi criar um deles. É simples, hospedado no blogspot, mas quer ser uma espaço para reflexão. Reflexão sobre a vida, talvez sobre seus problemas, certamente sobre seu respirar, comer e beber, mas não menos sobre nossos dramas mais abrangentes. Mas verdade seja dita, a gente não sabe mais respirar, comer ou beber. Que dirá acerca do que sabemos sobre alguma ciência de forma real?

Talvez seja um espaço onde poderemos rir um pouco, o ainda chorar. O importante é que riamos ou choremos juntos, para que tenhamos aquela solidão povoada que tanto inspirava São João da Cruz. Caso contrário, como nos conduz a nossa tão bem-aventurada ciência, a tão iluminada política e tão equilibrada economia de nossos tempos, teremos apenas uma solidão irremediável, que nos fecha em nossos próprios vazios. Mas se chorarmos ou sorrirmos juntos, poderemos fazer a experiência do Novo, da Beleza tão antiga e tão nova, que inquietava o coração de Santo Agostinho e todos nós. É porque quando estamos assim, quando choramos com os que choram e rimos com os que riem, carregamos os fardos uns dos outros e cumprimos a verdadeira Lei.

E sem querer usar meias palavras, ser politicamente correto não será um compromisso. Assim, entenda-se a que Lei me refiro. Essa Lei é capaz de crucificar o que consideramos correto e subverter nossos mais intrincados conceitos com relação a tudo. A própria palavra Deus será um vocábulo, que por vezes parecerá um balbucio, que, mesmo sendo Verdade e certeza, manifesta na carne humana, será sempre um Mistério por se alcançar, um Mistério ora brilhante como uma estrela, ora profundo e devorador como um buraco negro.

O interessante é que devido à sua densidade, os buracos negros atraem os corpos. E é inevitável que sejam atraídos, uma vez postos como pontos interiores ao lugar geométrico onde a atração de todos os outros corpos celestes jamais suplanta à deste misterioso ente físico. Alguns diriam do equilíbrio assintoticamente estável a que se dirigem os corpos sob a atração de um buraco negro.

Mas, de uma forma geral, os buracos negros são conhecidos pela maioria das pessoas, como algo misterioso, escuro, amedrontador. Existem diversas teorias físicas sobre o que acontece nesses corpos, inclusive sobre singulares comportamentos sobre massa, tempo e espaço neles. Não é objeto deste blog aprofundar sobre esses aspectos. O interesse está mais em penetrar no que é Mistério e nos atrai profundamente, até que, a partir de alguma circunstância que sabemos mais ou menos onde e como aconteceu, mas não tanto como um racionalista se arrisca a dizer categoricamente onde e como estão as coisas.

Mas quão belo é o sol e as outras estrelas. Eles também exercem atração sobre os planetas e determinam seu comportamento. Estes encontram sua órbita, sua razão de ser o que é, simplesmente pelo fato de a dita estrela existir e lançar sobre eles a medida própria de luz e calor. É por causa disso, que um girassol gira, que a água desce para o mar, sentimos calor ou frio ou um belo perfume se espalha no ar. Sim, se por potencial gravitacional, equilíbrio térmico ou processo difusivo, isso não apresenta nenhuma novidade perante os olhares da inocente criança. Apenas o fato de sentir frio e de ver a cachoeira se derramar para baixo extasia o olhar da criança, como poderia dizer Chesterton, mesmo aquela que ainda deve existir em nós, a mesma que Jesus acolheu em seu colo, lembrando aos adultos bem pensantes que aqueles que não fossem como ela não entrariam no Reino do Céu.

Até aqui, vocês devem estar se perguntando o que significa epectase e porque se transformou no nome deste web log. A palavra epectase me disse muito quando lia o melhor livro sobre Matrimônio que já pude ter em mãos, o Sacramento do Amor, de Pavel Evdokimov. A palavra vem do grego, epektásis, que lembra uma flecha num arco apontada para um alvo. Ela apresenta uma tendência e contradizê-la seria desprover a flecha daquilo que lhe seria mais próprio: atingir o alvo. A epectase, dentro da Tradição Cristã, é essa tendência irremediável, por assim dizer, para Aquele que é nosso Alvo, nossa Meta, nosso Fim. A epectase é o Mistério que carregamos e que como uma configuração de spin numa composição paramagnética nos torna ontologicamente atraídos e sempre tendentes Àquele que É.

São Paulo, Apóstolo, que a partir do próximo Domingo, durante 1 ano inteiro, será mais conhecido e meditado por ocasião do Ano Paulino, a ser aberto por S. S. Bento XVI, na Basílica Fora dos Muros dedicada ao Apóstolo, dá uma palavra importantíssima sobre o que podemos entender por epectase dentro da Tradição Cristã. Na Carta aos Filipenses, ele diz: "Não que eu já o tenha alcançado ou que já seja perfeito, mas vou prosseguindo para ver se o alcanço, pois que já fui alcançado por Cristo Jesus. Irmãos, eu não julgo que eu mesmo o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me do que fica para trás e avançando para o que está adiante, prossigo para o alvo, para o prêmio da vocação do alto, que vem de Deus em Cristo Jesus" (Fl 3,11-14 - Tradução da Bíblia de Jerusalém). Eis aí a melhor apresentação do que seja a epectase cristã.

Queremos continua nela e convidamos a todos a descobrirem esse magnetismo místico em suas vidas. Espero que este blog seja um espaço para isso, para que "qualquer que seja o ponto a que chegamos, conservemos o rumo" (Fl 3,16).

Sejam bem vindos e sintam-se abraçados, no calor daquele que nosso Alvo, nossa Meta!