segunda-feira, 26 de abril de 2010

Grande notícia! Que alegria!

Meus caros,

não posso deixar de transmitir a alegria em perceber a vivacidade de nossas irmãs beneditinas do Mosteiro São João, de Campos do Jordão. Ressoam aos meus sentidos as palavras da I Leitura da Missa de ontem, quando Paulo e Barnabé atravessavam os territórios vastos da Ásia Menor por imenso amor e gratidão Cristo, anunciando no meio do mundo, de um mundo por vezes desconhecido e hostil o Evangelho do Senhor. Isso é a Igreja, sua única força é o Espírito Santo, seu único atrator, Cristo.

As sempre amadas e referidas irmãs aceitaram a missão de ir a terras longínquas, a Aasebaken, Dinamarca, para fazer com que o canto a Deus não cesse por aquelas terras, que já se esquecem de quem é Cristo, dos sinais de eternidade e caridade de Deus, da beleza sempre antiga e sempre nova. É que nos relata a revista "Isto é", na edição do último dia 23, sábado, e que pode ser aberto no link:


É comovente ver esse exemplo e testemunho de amor a Cristo. Exigirá tanto delas... Outras terras, uma língua estranha, um país hostil aos cristãos... Somente o olhar fixo em Jesus, nosso Deus e Cristo, somente um olhar que não cesse de se dirigir a ele, mesmo entre lágrimas, mesmo na saudade, na provação, na estranheza, somente isso poderá sustentá-las. Somente isso, meus caros, tenham certeza, irá nos sustentar no meio do deserto, e nos mares revoltos dessa vida.

Revma. Me. Abadessa Myriam, receba minhas estimas, a minha alegria, a minha comoção e as minhas preces por essas benditas irmãs, que deixaram mais do que o tudo que houveram deixado antes, para seguir o seu Senhor e Esposo, onde quer que Ele lhes chamasse. Ele mesmo disse que chamaria sua Esposa ao deserto. As lâmpadas continuam acesas no último mosteiro aberto da Dinamarca porque elas o seguiram. Tenha a serena certeza de que Ele não as deixará, nem deixará esta próspera comunidade de Campos do Jordão, nem mesmo as mais enfermas.

Receba ainda meus parabéns, porque sua comunidade está, no silêncio, na contemplação e no louvor divino, mostrando ao mundo inteiro o que é o cristianismo, o que é o catolicismo, o que é a Igreja. Que boa notícia em meio aos vendavais, que são desnorteantes para tantos!!!

A todos que recebem esta mensagem, meu cordial abraço e o desejo de uma boa semana!

Na Páscoa do Bom Pastor, a Porta das Ovelhas se abre!

Lá pelos idos da meia-noite de Sábado Santo para Domingo da Ressurreição, os cristãos se erguem em canto alegre e solene porque no meio da noite escura, aquela que representa a morte, a destruição, a falta de sentido, o desencanto, brilha a luz. Ninguém sabe como foi que aconteceu, é Mistério de Deus. Diz o Precônio Pascal: “só tu, ó noite, conheces a hora em que Cristo da morte ressurgia.” Somente a escuridão, o mistério da falibilidade de nossas luzes, nosso pranto, nossa entrada na sepultura, nossas dilacerações interiores podem conhecer de modo incompreensível aquela alegria que o mundo não pode oferecer nem retirar. A Páscoa é isso: Cristo vai até as profundezas da morte para que a realidade do Espírito Santo, aquela que só pertence a Deus, possa ser copiosamente derramada nos corações humanos, porque aí, justamente aí, a morte já não é mais morte, mas lugar onde Deus é tudo em nós e em todos.



Muitas vezes, sobretudo para o mundo de hoje, as experiências mais dilacerantes do homem são a doença, a pobreza, a morte. Entretanto, diria que há algo pior, que está por detrás de todas essas manifestações de nossa fraqueza. É a solidão. Não falo da solidão comum, de não estarmos acompanhados de outras pessoas. Se essa solidão for permeada de amor, ela já não será mais solidão. Falo de uma solidão interior, ontológica, aquela condição em que o homem parece abandonado à sua própria sorte. Seu destino parece irremediável e seu fim é a destruição, o vazio, o esquecimento, o aniquilamento total de sua história e de seu ser. Uma trajetória assim só pode ser razão de desespero. Vejamos o nosso mundo e o nosso tempo. Estaremos a celebrar a Páscoa e por ela somos chamados a vencer o desespero. Porém, o mundo continuará a sua história de desespero. O absurdo continuará a acontecer. E o pior é que o absurdo se revestirá de ciência, de direitos humanos, de justiça, de segurança e de paz. Hoje não temos uma humanidade de 6 bihões de pessoas, mas 6 bilhões de indivíduos sozinhos, destinados a se perderem para sempre...



Senhor, abre-nos a porta. Se estamos confinados às portas da morte e do inferno, arromba-as. Nossos antepassados diziam que o “Senhor arrombou portas de bronze e despedaçou ferrolhos de ferro” (Sl 106,16). Nós acreditamos neles, porque experimentaram a verdadeira liberdade ante o absurdo. Acreditamos neles porque encontramos neles a alegria de quem superou aquela solidão essencial. Acreditamos neles porque a eles não faltou no olhar, nos gestos, nas palavras, nos pensamentos aquele brilho que não cessava de transmitir um algo mais humano, onde podíamos vislumbrar algo de perene e eterno.



Senhor, abre-nos a porta. Dissestes que se não cessássemos de bater, de insistir, a porta seria aberta. “Pois quem pede, recebe; quem procura, encontra; e a quem bate, a porta lhe será aberta”. De fato, se os homens, em sua maldade, em sua parcialidade, são capazes de dar coisas boas a seus filhos, quanto mais o “Pai do céu não dará o Espírito Santo aquele que lho suplica”. Abre-nos a porta. Sopra sobre nós o teu Espírito.



Senhor, abre-nos a porta. Não digas, suplicamos, que não nos conheces. Abre-nos a porta, porque nos sondas e conheces, sabes quando deitamos e levantamos, sondas os nossos pensamentos. Abre-nos a porta, porque no nosso abandono, tudo é frio, sem sentido, morto. Se as portas se fecham, não temos mais razões para viver e levar adiante o dom que tu mesmo nos deste.



Senhor, abre-nos a porta. Tu mesmo disseste: “eu sou a porta das ovelhas”. Em Jerusalém, havia uma “Porta das Ovelhas” ao lado da qual ficava a piscina de Betesda (cf. Jo 5) .Ali, conheceste um aleijado, que nunca conseguia chegar na piscina a tempo de conseguir a cura àquele que chegasse nela primeiro logo após ser agitada por um anjo. Quando tu o olhaste, deste a ele a cura, o bem e a possibilidade de louvar a Deus. Fizeste Páscoa na vida dele. Passaste na vida dele e ele passou da morte para a vida. Tens razão em dizer que és a Porta das Ovelhas (cf. Jo 10,7), porque aí se encontra a verdadeira piscina de Betesda, onde nos encaminhais para águas repousantes e restaurais nossas forças. Prometestes que ao entrar por essa porta seríamos salvos, diferente daquela porta onde estávamos trancafiados, presos, com um destino triste e irremediável. Em ti, somos batizados, lavados, purificados. Em ti, vemos a luz, somos iluminados e somos luz.



Sim, Senhor, abre-nos a porta! Que uma nova criação se abra ao nosso olhar! Que a percebamos muito mais do que quando Adão abriu os olhos e viu uma maravilha ao seu redor; muito mais do que quando Abraão viu o vosso dia, na ocasião em que percebeu que não precisaria mais sacrificar seu filho Isaac; muito mais do que quando maravilhas realizastes em favor de vosso povo no Mar Vermelho, quando rasgaste as águas e passaram a pé enxuto; muito mais do que quando deste com carinho e gratuidade o puro leite aos filhos de Israel que retornavam do exílio e mesmo quando o desposaste de novo e nele puseste o diadema; muito mais do que quando prometeste aquela água pura, porque agora em ti mesmo podemos ser purificados. Pois nosso coração se alegra, nosso coração já vê de alguma forma a luz em meio à falta de sentido, nosso coração se enche do sentido do Eterno. Sim, quem está em ti é, assim, uma nova criatura. Não somente vê as maravilhas de uma nova criação fora de si, mas sobretudo em si, porque foi revestida de Cristo: tendo experimentado a morte, ressuscitou contigo.



Sim, Senhor, abre-nos a porta da eternidade!

“... Ressurgiu minha esperança ...” (Seqüência de Páscoa - séc. XI)

Gostaria de já ter enviado essa mensagem a todos vocês, trazendo a boa nova da paz, já na Semana Santa, mas não foi possível. De qualquer maneira, como a Páscoa apenas começou no Domingo da Ressurreição (4 de abril) e segue até o Domingo de Pentecostes (esse ano, 23 de maio), esta hora, este momento ainda é muito propício para desejar a todos uma Feliz e Santa Páscoa.
Para o comércio, entretanto, para a mídia e para quem não sabe o que está celebrando, a Páscoa já acabou. Mas a Páscoa é um acontecimento tão grandioso, tão sublime, tão estupendo, tão além das nossas concepções, que não tem como ser vivida em um dia apenas. Precisa ser ruminada, saboreada, apreciada, contemplada. Nosso mundo é um mundo de alienação dos sentidos. Come-se, bebe-se, transa-se, cumprimenta-se, cala-se, fala-se, diverte-se, trabalha-se, até mesmo se reza, sem se saber o motivo e o sentido profundo de cada realidade. De que nos falam, a que nos motivam? Tudo é banal. “Tudo é vaidade” (cf. Ecl 1,1). Na realidade, já se tem uma profunda alienação do próprio homem. Que dizer, então, com relação a Deus e à espiritualidade?
Há muitas visões acerca desse Deus tão falado e tão pouco conhecido. Esse Deus enviou seu Filho, do qual fala o Evangelho de João, escutado no dia de Natal: “No princípio era o Verbo; o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. (...) E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,1.14). Atenção aos dualistas: carne, dentro da cultura de João, significa o homem todo em sua fragilidade, e não apenas corpo material, como alguns poderiam pensar. Assim, o texto diz que o Filho de Deus, Filho na essência, gerado eterna e misteriosamente de Deus Pai, tão Deus quanto Ele, mas gerado, tendo o Pai como fonte de sua pessoa (Filho, portanto), se fez homem. Não brincou de ser, nem fez de conta que foi homem, em tudo: no choro de bebê nos braços da Virgem Maria, na pobreza, nas suas andanças em busca de trabalho junto com José, no conhecimento da oração e da Palavra de Deus, na sua exultação por ser aos simples reservada a verdadeira alegria, na sua proximidade com os homens, fazendo-lhes o bem e curando a todos os dominados pelo mal (abriu os olhos aos cegos, libertou os cativos de suas prisões, fez surdos ouvirem e mudos falarem, deu sentido à vida de muitos, fez coxos andarem, revivificou mortos), assumindo seu papel na sociedade de seu tempo (denunciou as injustiças, de modo particular a falsa religiosidade dos líderes religiosos), chorou, sofreu a dor da traição, do abandono, morreu vergonhosamente. A única realidade não vivida de per si foi o pecado, alienação de Deus. Sim, pois seu alimento era fazer a vontade do Pai. Entretanto, tendo entrado profundamente na realidade humana, assumiu em si as dores desta realidade, desde o choro de bebê, até a morte. Kenosis é a palavra que resume tudo isso (cf. Fl 2, 6-11), ou seja, total humilhação de sua condição divina, no ocultamento sob a condição humana. Mas foi assim, esquecendo-se de si, que deu a verdadeira consolação a todos os que dela necessitavam, porque sentiam o peso de ser gente. Jesus experimentou essa carga inteirinha porque não veio para ser servido, mas para servir e entregar a sua vida por causa de muitos. Esse gesto foi profundamente simbolizado no lava-pés (cf. Jo 13, 1-15), na ocasião em que instituíra a Eucaristia (i.e. Missa), sacramento de sua entrega por causa de nós, a mesma entrega que fez de toda a sua vida e de todo o seu tempo para simplesmente amar e servir. Ali temos realizado continuamente esse grande mistério.
Mas não se esgota aí. Jesus morreu, de fato. Mas o que significa isso. Esse gesto de profundo serviço (lavou os pés de toda a humanidade) e de infinito amor (entregou a sua vida por causa de muitos) foi um tanto que banalizado e, por Jesus ser Deus, não se esgota no fato de simplesmente terem se esgotado suas funções vitais. A morte de Jesus é o momento em que ele entrega seu Espírito ao Pai (cf. Lc 23, 46; Jo 19, 30). O que ou quem é o Espírito?
O Espírito é o vínculo que une o Pai ao Filho. É por onde o Pai gera o Filho, por onde o Filho jamais se vê dissociado do Pai, nem o Pai do Filho. O Espírito é o ambiente em que o Pai é Pai, e o Filho é Filho. Segundo outras comparações, é como que o útero de Deus, onde eternamente o Pai gera o Filho. E, no Espírito, o Pai só é Pai porque gera, e é a única coisa que sabe fazer, o resto é conseqüência; e o Filho só é Filho porque é gerado, se deixa envolver pelo Pai, se alegra com o que ouve e recebe do Pai e se alimenta de realizar a sua obra. Só Jesus é Filho por essência e excelência. Fora disso, o Pai, o Filho e o Espírito perdem sua identidade.
O que chama a atenção nessa visão trinitária de Deus é que em todas as pessoas divinas circula uma só realidade: a doação de si - o amor. O Pai se dá ao Filho, e o Filho se dá ao Pai; o Espírito é a entrega de cada um, conforme a Igreja professa: “creio no Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho” (Credo Niceno-constantinopolitano). Por isso, João pode dizer: “Deus é amor” (1Jo 4,16). Quando Jesus morre (= entrega seu Espírito), Jesus assume a condição dos sem Deus, dos pecadores, já que o pecado é essa alienação de Deus. Mas isso é uma ruptura. Será possível? O amor foi até o absurdo de amar? Sim, é por isso que João diz: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Mas será que esse amor é capaz de ir até o absurdo: uma morte em Deus? Não uma morte de Deus, mas em Deus, Porque o vínculo do Pai e do Filho já não estava mais com o Filho, e o Filho já não parecia mais Filho. Também desse modo, que dizer do Pai? Como pode, tal desolação ocorrer no seio do próprio Deus? Quando Jesus se tornou o último de todos, o pecado do mundo (o meu, o seu, o de todos) marcou as próprias relações em Deus. Que mistério!
No entanto, Deus é amor e não pode negar sua paternidade. O Pai não se cansa de gerar, o Pai faz de tudo para estar em profunda relação com o Filho. Quem ama, diz: “quero que vivas”. Pense num parente amado que já partiu e qual foi a sua sensação. Só que você não pode trazê-lo de volta. Deus pode infinitamente mais pelo Filho. Não se cansa de gerar. Infunde seu Espírito no Filho para que ressuscite, não mais com uma vida perecível, mas com uma vida que não possa sofrer mais as conseqüências da fragilidade humana, uma vida na qual só a voz de Deus fala: “vive”. E Deus fala isso eternamente ao seu Filho. Sim, o Filho foi ressuscitado dos mortos. Era o ponto fraco de Deus: ele queria sempre ser chamado de Papai. Mas como o Filho veio ao encontro do último de todos os homens, ele, na companhia do Filho, ressuscitou também. Deus quis ser chamado de Papai, por esse também. Esse sou eu, é você, todos os que, batizados, ou seja, mergulhados nas águas da Morte e Ressurreição de Cristo, podem chamar a Deus de Pai, e, não-batizados, têm uma abertura para uma nova relação com o Deus vivo.
“Ó Deus, quão estupenda caridade vemos no vosso gesto fulgurar: não hesitais em dar o próprio Filho, para a culpa dos servos resgatar!” (Precônio Pascal)
Somos felizes, porque, órfãos neste mundo, temos um Pai eterno, que nos ama assim: de uma maneira que ninguém é capaz de nos amar, entregando sua única riqueza por nós. Este é o sentido da Páscoa: o Pai de Cristo se tornou nosso Pai; o Deus de Cristo se tornou nosso Deus. Ele nos gerou. Medite sobre isto, porque este ó sentido da Páscoa da Morte e Ressurreição de Cristo Jesus. A ele, a glória, pelos séculos. Amém!
E assim, neste sentido, reitero meu desejo de uma Feliz e Santa Páscoa para todos vocês.