sábado, 28 de agosto de 2010

Continuando a aproximar Jesus e as crianças - II

Agora, publicada no último dia 23 em ZENIt.org, as palavras do Cardeal Antonio Cañizares Llovera, Prefeito da Congregação para o Culto Divino, sobre a Primeira Comunhão às Criznças, relembrando as iniciativas dos sumos pontífices de São Pio X a Bento XVI.


Cardeal Cañizares: Jesus e as crianças
Há cem anos, Pio X antecipava a idade para a primeira comunhão
CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 23 de agosto de 2010 (ZENIT.org) – No contexto do centenário do decreto Quam singulari Christus amore (8 de agosto de 1910), de São Pio X – Papa que foi beatificado em 1951 e canonizado em 1954 –, publicamos a reflexão do prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, cardeal Antonio Cañizares, apresentada em L'Osservatore Romano. Bento XVI discutiu esse tema na audiência geral de quarta-feira passada.
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Completam-se agora cem anos da promulgação do decreto Quam singulari, do Papa São Pio X, pelo qual, seguindo fielmente os ensinamentos do Concílio IV de Latrão e os de  Trento, estabeleceu a primeira comunhão e primeira confissão das crianças à idade do uso de razão, quer dizer, em torno dos sete anos.
Esta disposição do santo Papa supunha um caminho muito importante na prática pastoral e na concepção habitual de então, que por razões diversas, tinha atrasado a idades posteriores este acontecimento tão transcendente para o homem.
Com este decreto, São Pio X, o grande Papa da piedade e da participação eucarística, com o desejo de renovação eclesial que inspirou seu pontificado, ensinou a toda Igreja o sentido, lugar, valor e centralidade da sagrada comunhão para a vida de todos os batizados, incluídas as crianças.
Com este gesto, ao mesmo tempo, destacava e recordava a todos o amor e a predileção de Jesus pelas crianças, que, além de fazer-se criança, manifestou seu amor por elas com gestos e palavras, até o ponto de dizer: “se não forem como as crianças, não entrarão no reino dos céus”; “deixai que as crianças venham a mim, não as impeçam, porque delas é o reino dos céus”. Elas são sempre amigas muito especiais do Senhor. 
Com a mesma predileção, com o mesmo olhar amoroso e com a mesma atenção e solicitude singular, a Igreja olha, atende, cuida e se preocupa com as crianças. Por isso, ela, como mãe amorosa, quer para seus filhos pequenos, os primeiro no reino de Deus, que, com as devidas disposições, participem logo do melhor e mais importante que Jesus nos deixou em sua memória: seu Corpo e seu Sangue, o Pão da vida. Pela sagrada comunhão, Jesus em pessoa, Filho de Deus, entra dentro da vida de quem o recebe e coloca sua morada nele. Não há maior amor, nem maior presente. Isso é um dom de amor que vale mais que todo o restante que se possa dar à vida de cada homem. Estar com o Senhor; que o Senhor esteja em nós, dentro de nós; que nos alimente e sacie; que nos tome pelas mãos e nos guie; que nos vivifique e permaneçamos fielmente em comunhão e amizade com ele: é sem dúvida o mais importante, o mais gratificante, o mais gozoso que pode acontecer a alguém.
Como atrasar, pois, às crianças, este encontro com Jesus, elas que são seus melhores amigos, as especialmente queridas por Deus, o Pai, objeto de especial cuidado da Igreja, mãe santa? 
A primeira comunhão das crianças é como o início de um caminho junto a Jesus, em comunhão com ele: o início de uma amizade destinada a durar e se fortalecer toda a vida com ele; começo de um caminho, porque com Jesus, unidos sem nos separar, procedemos bem e a vida se faz boa e virtuosa; com ele dentro de nós podemos ser sem dúvida pessoas melhores. Sua presença entre nós e conosco é luz, vida e pão no caminho. O encontro com Jesus é a força de que necessitamos para viver com alegria e esperança. Não podemos, atrasando a primeira comunhão, privar as crianças – a alma e o espírito das crianças – desta graça, obra e presença de Jesus, deste encontro de amizade com ele, desta participação singular do próprio Jesus e deste alimento do céu para poder amadurecer e chegar assim à plenitude.
Todos, especialmente as crianças, têm necessidade do Pão descido do céu, porque também a alma deve se nutrir e não bastam nossas conquistas, a ciência, as coisas técnicas, por muito importantes que sejam. Necessitamos de Cristo para crescer e amadurecer em nossas vidas. Isso é ainda mais importante neste tempo que vivemos e o é de modo especial para as crianças, frequentemente objeto, infelizmente, de manipulação e de destruição de sua grandeza, pureza, simplicidade, “santidade”, capacidade de Deus e de amor que as constitui. As crianças vivem imersas em mil dificuldades, envolvidas em um ambiente difícil que não lhes favorece ser o que Deus quer delas; muitas são vítimas da crise da família. Nesse clima ainda lhes é mais necessário o encontro, a amizade, a união com Jesus, sua presença e sua força. São, por sua alma limpa e aberta, as mais bem dispostas, sem dúvida, para isso.
O centenário do decreto Quam singulari é uma ocasião providencial para recordar e insistir no ato de receber a primeira comunhão quando as crianças tiverem a idade do uso de razão, que hoje, inclusive, parece se antecipar. Não é recomendável, por isso, a prática que se está introduzindo cada dia mais de atrasar a idade da primeira comunhão. Ao contrário, é ainda mais necessário o ato de adiantá-la. Perante tantas coisas que estão acontecendo com as crianças, e o ambiente tão adverso em que crescem, não as privemos do dom de Deus: este pode ser, é a garantia de seu desenvolvimento como filhos de Deus, engendrado pelos sacramentos da iniciação cristã no seio da santa mãe Igreja. A graça do dom de Deus é mais poderosa que nossas obras e que nossos planos e programas. Quando São Pio X adiantou a idade da primeira comunhão, também insistiu na necessidade de uma boa formação, de uma boa catequese. Hoje devemos acompanhar este ato de adiantar a idade com uma nova e vigorosa pastoral de iniciação cristã. As linhas marcadas pelo Catecismo da Igreja Católica e o Diretório geral para a catequese são guias imprescindíveis nesta nova pastoral ou renovada da iniciação cristã tão fundamental para o futuro da Igreja, a mãe que, com o auxílio da graça do espírito, engendra e amadurece seus filhos pelos sacramentos da iniciação, pela catequese, e por toda ação pastoral que acompanha. Assim, pois, não fechemos hoje nossos ouvidos às palavras de Jesus: “deixai que as crianças venham a mim, não as impeçam”. Ele quer estar nelas e com elas, porque “das crianças e dos que são como elas é o reino de Deus”.

Continuando a aproximar Jesus e as crianças - I

Pe. José Clécio é padre diocesano de Campos dos Goytacazes, RJ. Acompanho muito suas posições, seus esclarecimentos, e, exatamente num tempo em que faço muitos questionamentos sobre a Primeira Comunhão de meu filho (dado que "idade da razão" é um termo muito em aberto a abre diversos precedentes para que a consideremos cada vez mais precoce), este Rev. Pe. nos brinda com uma belíssima reflexão da qual compartilho em gênero, número e grau, e que, já estando em curso em nosso lar, deverá ser aplicada em breve, se Deus quiser.

Assim, seria interessante que lessem, refletissem e até compartilhassem comigo algo da experiência de vocês, antes e depois dessa leitura. Ela foi importada do blog do Rev. Pe., http://oblatvs.blogspot.com . Também em nosso blog, pouco mais abaixo, há algumas reflexões recentes que postei sobre paternidade e transmissão do Espírito, bastante coerentes ao contexto. 

Bem, sem mais delongas, segue o texto. Em continuação a ele, há um texto dos sacramentos ministrados pelos orientais e está no blog (http://oblatvs.blogspot.com/2010/08/uma-reflexao-pessoal-e-um-artigo-sobre.html). Boa leitura!
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Uma reflexão pessoal e um artigo sobre os sacramentos da iniciação

A prática atual tende a retardar sempre mais a primeira comunhão. Se prevalece a prática de administrá-la às crianças por volta dos dez anos, já encontrei quem o faça somente aos doze! Não falta boa intenção aos que pretendem incutir uma sólida formação cristã aos que vão receber o Sacramento, mas a prática ignora, a meu ver, aspectos importantes da questão.
A legislação em vigor estabelece que é dever dos pais ou responsáveis e do pároco que as crianças que atingiram o uso da razão sejam preparadas e, o quanto antesquam primum, admitidas à comunhão (cân. 914).
O cân. 913 esclarece que a preparação das crianças deve levar em consideração sua capacidade própria. Devem ser cuidadosamente preparadas de modo a adquirir um conhecimento suficiente do mistério de Cristo e a receber seu Corpo com fé e devoção (§ 1), embora in periculo mortis exija tão somente que possam discernir o Corpo de Cristo do alimento comum e recebam-no com reverência (§ 2).
Nossa contribuição, na condição de iniciadores, é dar o suficiente, o necessário e o próprio à idade daqueles que estão apenas começando a vida em Cristo. Não queiramos alçá-los à condição de Mestres em Israel. Tempo haverá, se fizermos bem nosso trabalho, para dar-lhes alimento mais sólido na medida em que crescem. Paradoxalmente, quanto mais tempo se exige de catequese menos coisas sólidas se ensinam às crianças. Certas aulas se afiguram exageradamente “infantis” mesmo às próprias crianças e, também por isto, muitas delas desistem de percorrer um tão longo caminho por tão pouco.
A excessiva ênfase na catequese prévia, que leva a postergar sempre mais a primeira comunhão das crianças, não deixa de exalar o mau odor protestante, este terrível espírito que tem contaminado o ambiente católico. Se retirarmos todas as conclusões de suas premissas chegaremos à prática herética dos protestantes e negaremos também o Batismo às crianças.
Parece haver, quando muito se insiste em tudo ensinar previamente, uma confissão de nossa incapacidade pastoral de oferecer às crianças, aos jovens e aos adultos uma catequese permanente, posterior aos sacramentos recebidos. Estamos como a dizer que se não vêm a nós a fim de progredir no conhecimento dos mistérios da fé, chantageamo-los com os sacramentos. Esta tem sido uma constante também no que diz respeito aos demais sacramentos: é curso para tudo e não demora exigiremos dos moribundos um curso prévio à recepção da Extrema Unção!
Outro fator desconsiderado é a capacidade das crianças de conhecer através de uma linguagem que não seja a verbal. Não raro demonstram uma intuição bem mais profunda dos mistérios de Deus que a de muitos adultos, ainda que não saibam exprimi-los em formas conceituais. O próprio Deus lhes fala à alma direta e compreensivelmente numa linguagem desconhecida aos que somos carnais. Curiosamente, nossas crianças demonstram hoje menos conhecimento suficiente e menos devoção que as de antigamente - e não culpemos os tempos. Lembro-me de muito pouco do dia de minha primeira comunhão, mas não me esqueço da posição das mãos, da comunhão de joelhos e na boca, do jejum eucarístico e da proibição de mastigar - estas prescrições simples incutiram em mim a consciência de que recebia algo sagrado e completamente distinto de um alimento comum.
Retardar a administração da Sagrada Comunhão às crianças, além do estabelecido pela Igreja, é privá-las de uma graça no momento em que o mal já se insinua com toda a sua força. Muitas crianças, pré-adolescentes como os chamamos, já se afastaram de Cristo e de sua Igreja naquela idade que alguns consideram ideal para a comunhão.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ainda sobre paternidade e maternidade - o testemunho dos santos - II

Agora, seguem os últimos momentos de Santa Mônica, celebrada hoje, narrados pelo seu filho, Santo Agostinho, no Livro IX de suas Confissões. Destaco (em grifos meus) o grande desejo dessa mãe, que, ora, poderia dizer com São Simeão, "deixai agora vossa serva ir em paz (...), pois meus olhos viram vossa salvação".

Ao aproximar se o dia em que ela ia partir desta vida – dia que Vós conhecíeis, mas nós ignorávamos – sucedeu, segundo creio, por disposição de vossos secretos desígnios, que nos encontramos sozinhos, eu e ela, encostados a uma janela, cuja vista dava para o jardim interior da casa que nos hospedava, em Óstia, onde, afastados das multidões, depois da fadiga de uma longa viagem, retemperávamos as forças, antes de embarcarmos. Conversávamos a sós muito suavemente e, esquecendo o passado e voltando-nos para o futuro, nos interrogávamos mutuamente, à luz da Verdade presente, que sois Vós, qual seria a vida eterna dos Santos, que nem os olhos viram nem os ouvidos escutaram nem jamais passou pelo pensamento do homem. Mas os nossos corações suspiravam pela corrente celeste, que brota da vossa fonte, a fonte de vida, que está em Vós.

(Interrompo aqui: veja qual o escopo da conversa entre essa mãe e esse filho. Como nos questiona!!! De quantas bugigangas nos ocupamos com nossos filhos, e nos esquecemos de prepará-los para o essencial... Que nossas coisas pequenas, nossos momentos com nossos filhos apontem para o essencial invisível aos olhos!!!)

Assim falava eu, embora não por este modo e por estas palavras; contudo bem sabeis, Senhor, quanto o mundo e os seus prazeres nos pareciam vis naquele dia em que assim conversávamos. Minha mãe acrescentou ainda: «Filho, quanto a mim, já nada me dá gosto nesta vida. Não sei o que faço ainda aqui, porque já nada espero deste mundo. Havia só uma razão pela qual eu desejava prolongar um pouco mais esta vida: ver-te cristão católico, antes de eu morrer. Deus concedeu-me esta graça de modo superabundante, pois vejo que já desprezas a felicidade terrena para servires o Senhor. Que faço eu ainda aqui?».

Não me lembro bem do que lhe respondi a respeito destas palavras. Entretanto, passados cinco dias ou pouco mais, ela caiu de cama com febre. Num daqueles dias da sua doença, perdeu os sentidos e durante um curto espaço de tempo não dava acordo dos presentes. Acorremos logo e depressa recuperou os sentidos. Vendo-nos de pé, junto de si, a mim e ao meu irmão, disse-nos como quem procura alguma coisa: «Onde estava eu?».

Depois, vendo-nos atônitos de tristeza, disse: «Sepultareis aqui a vossa mãe». Eu estava calado e tentava conter as lágrimas. Meu irmão, porém, proferiu algumas palavras, mostrando a preferência de que ela não morresse em país estranho, mas na sua pátria.

Ouvindo isto, fixou nele um olhar cheio de angústia, censurando-o por pensar assim e, olhando depois para mim, disse: «Repara no que ele diz». E em seguida disse para ambos: «Sepultai este corpo em qualquer parte e não vos preocupeis com ele. Só vos peço que vos lembreis de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejais». (Mais uma interrupção minha: de fato, a Pátria dela era outra. Era para isso que ela tinha preparado seus filhos!) Tendo feito esta recomendação com as palavras que pôde, calou-se. Entretanto agravava-se a enfermidade e o sofrimento prolongava-se.

Finalmente, no nono dia da sua doença, aos cinqüenta e seis anos de idade e no trigésimo terceiro da minha vida, aquela alma piedosa e santa libertou-se do corpo.

Ainda sobre paternidade e maternidade - o testemunho dos santos - I

Há poucos dias, conforme se pode ler logo abaixo, dizíamos algo sobre o papel da paternidade perante Deus. Gostaria de sublinhar o tetstemunhos de dois importantes santos celebrados esta semana. Aqui, o testemunho de São Luís, Rei da França, de como quis dirigir o olhar de seu filho para a dignidade do reinado do único Rei, Cristo. Ah! Se assim, fossem educados nossos filhos... Quantos outros tipos de políticos não haveríamos de ter. Sim, porque a transmissão do Espírito Santo pela via familiar, a via íntima, é algo que deixa marcas indelévis no coração do homem. Portanto, vamos ao testemunho de São Luís, em seu Testamento Espiritual (Acta Sanctorum, Agosto 5 [1868], 546) (Sec. XIII):

Filho caríssimo, eu te exorto, em primeiro lugar, a que ames o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com todas as tuas forças; sem isto não há salvação.

Filho, deves evitar tudo o que sabes ser ofensa a Deus, isto é, todo o pecado mortal, de tal modo que prefiras sofrer todos os tormentos do martírio a cometer um só pecado mortal.

Além disso, se o Senhor permitir que te sobrevenha alguma tribulação, deves suportá-la com generosidade e ação de graças, pensando que é para teu bem e que talvez a tenhas merecido. E se o Senhor te conceder alguma prosperidade, deves agradecer-Lhe humildemente, procurando que não te seja causa de ruína moral, ou por vanglória ou por qualquer outro motivo, porque seria iníquo valer-se dos dons de Deus para O combater ou ofender.

Assiste de boa vontade e com devoção ao culto divino; enquanto estiveres na igreja, evita a distração do teu olhar ou as palavras inúteis e reza devotamente ao Senhor com oração vocal ou mental.

Sê misericordioso para com os pobres, os infelizes e os aflitos e, segundo as tuas posses, ajuda-os e reconforta-os. Dá graças a Deus por todos os seus benefícios, a fim de seres digno de receber outros maiores. Sê justo para com os teus súditos, sem nunca te desviares da linha reta da justiça, nem para a direita nem para a esquerda; coloca-te sempre mais do lado do pobre que do rico, até averiguares com certeza de que lado está a verdade. Sê diligente em procurar que todos os teus súditos vivam em paz e justiça, sobretudo tratando-se de pessoas eclesiásticas e religiosas.

Sê dedicado e obediente para com a nossa mãe, a Igreja Romana, e para com o Sumo Pontífice, nosso pai espiritual. Esforça-te por erradicar do teu território toda a espécie de pecado, principalmente as blasfêmias e as heresias.

Filho caríssimo, para terminar, eu te dou toda a bênção que um pai piedoso pode dar a seu filho. A Santíssima Trindade e todos os Santos te guardem de todo o mal. O Senhor te conceda a graça de cumprires sempre a sua vontade, servindo-O e honrando-O de tal modo que depois desta vida todos nós possamos vê-l’O, amá-l’O e louvá-l’O sem fim. Amém.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Deixai vir a mim as criancinhas porque o Reino de Deus é dos que são como elas

O capítulo 10 do Livro de São Marcos é marcado por diversos matizes, principalmente acerca do Matrimônio, sacramento da fé, trazido à tona pelos valores perenes do Evangelho, onde Jesus remete ao Princípio, fonte da unidade e da indissolubilidade da família (sempre heterossexual, diga-se de passagem) nos planos de Deus. Sobre isso, muitos já falaram, e há diversos comentários em livros, revistas e na Internet. Cabe pormos em prática o amor esponsal entre Cristo e a Igreja nas nossas vidas conjugais, tais quais consagrações ao Senhor.

O que me chama a atenção no momento são as últimas palavras proferidas dentro desse contexto. Após o confronto de Jesus com os fariseus e a explicação de suas palavras aos discípulos, trouxeram-lhes algumas crianças para que Jesus, impondo-lhes as mãos, as abençoasse. Os discípulos as afastavam, mas Jesus lhes responde com a primeira frase deste texto, que se encontra nesse contexto do Evangelho de Marcos. Elas parecem tão simples, tão pouco evocadora, mas nos diz tanto!!!

Primeiro, porque a mesma palavra que se traduz por criança em aramaico (“talyia”) também se traduz como servo e cordeiro. Vejamos a intencionalidade do autor sagrado em trazer essas figuras à tona, lembrando do Servo Sofredor, imagem do crucificado no Livro do Profeta Isaías, e do Cordeiro de Deus, apontado por João Batista como aquele que tira o pecado do mundo, plenitude do cordeiro pascal expiatório da Páscoa judaica, como Páscoa para o mundo inteiro, em sua Paixão, Morte e Ressurreição. A criança, o servo e o cordeiro são os menos significativos da sociedade judaica de então, carregando em si o fardo das gerações. Mas Jesus os evoca como caminhos necessários para alcançar o Reino de Deus.

Desta feita, vamos ao segundo ponto: a criança é símbolo do caminho para o Reino de Deus. Visto sob o prisma do Sacramento do Matrimônio, a cujo contexto esse versículo pertence, podemos pensar nos filhos de um casal cristão. Eles são a expressão visível de que “já não são dois, mas uma só carne”. Pensando que todo ser humano surge a partir de uma união sexual de um homem com uma mulher, é como se a fragmentação da humanidade se desfizesse (ao menos, à maneira de primícias, um símbolo eficaz) na unificação de tal forma entre homem e mulher que ali dois pedaços se juntassem para não mais serem pedaços, mas um vaso, ou, ao menos, uma parte maior dele, e a expressão disso está no filho, pessoa única, indivisa, expressão do amor entre o pai e a mãe. Pensar num Matrimônio sem filhos e em filhos sem Matrimônio é alheio ao Evangelho de Cristo e a tudo que se possa dizer cristão.

Um comentário a esse respeito, eu gostaria de fazer lembrando de uma figura mitológica da tradição mística judaica. Após a criação, com o pecado original, o universo, todo uno, como seu Criador, quebrou-se, e o trabalho de toda a existência humana, e de Deus é o de juntar os cacos do vaso quebrado que se tornou o universo. A esse processo, os cabalistas chamam “tikkun”. Nós sabemos quem realiza a “tikkun”: Cristo morto e ressuscitado. No amor, no seu amor, aquele que se entrega pelo outro até a morte, aquele que pára no caminho, qual bom samaritano, para curar as feridas do moribundo e pagar todas as suas despesas de hospedagem enquanto se recupera. O Amor de Cristo é que se deixa ferir com todos os cacos pontiagudos para fazê-lo um só vaso. Esse Amor aponta para o Reino dos Céus.

Lembrado este aspecto, sigamos ao terceiro ponto: já que “não são dois, mas uma só carne”, e o que Deus uniu o homem não tem como separar, pressupõe-se que o amor humano, tão vacilante, tão cheio de hesitações, seria insuficiente para manter esses cacos grudados. O amor humano vai pensar apenas em justaposições. Elas serão importantes, mas só podem cumprir seu papel se as junções forem espaço de troca, de união, de renúncia à penetração invasiva do espaço do Outro, e ao mesmo tempo de permissão para que o Outro entre em nossa vida. Ora, muitas vezes, isso causa feridas, mas se se trata de feridas pelas quais optamos por amor, já não são mais feridas simplesmente, são marcas de amor, do Amor pascal de Cristo e da Igreja.

O quarto aspecto diz respeito às conseqüências desse diálogo ontológico: o vaso novo, que surge desse amor, a criança, não será somente um produto de uma relação sexual, puntual no tempo e no espaço. Será sempre a conseqüência de um processo de geração, onde o elemento gerador não são mais o pai ou a mãe, mas o Amor. O Amor de Cristo é quem nos gera a todos, especialmente quando esse amor é transmitido a nós desde a mais tenra infância. Quantas expressões existem para manifestar esse amor! A maior delas é a criança enxergar no coração de seus pais a existência de um Outro, O que transcende, O que marca as suas vidas com os sinais da Eternidade, sejam os sacramentos, seja o amor em família, o amor à Igreja, o serviço aos pobres, o carinho e a dedicação para com a criança, os ensinamentos, as correções..., enfim, o acolhimento em pessoa, que só o Cristo pode manifestar em nossas vidas. Assim, não negamos o Reino de Deus às crianças, mas apresentamo-las a Jesus e mostramos a elas o quanto é fascinante viver com Ele. Esse gesto possibilita que Jesus, que sempre respeita nossa liberdade, abrace nossos filhos, e eles já não sejam tão somente nossos filhos, mas filhos de Deus. É isso que os pais cristãos querem celebrar quando batizam suas crianças, quando lhes possibilitam a Primeira Comunhão (e todas as demais, a comunhão de vida inteira). “Deixai vir a mim as criancinhas”. É por elas, é sendo uma delas, é vivendo o carinho de Deus sendo uma delas, que alcançamos a felicidade, não obstante todas as vozes contrárias do mundo. Em certo sentido, a criança salva o mundo, pois o Cordeiro de Deus tira o pecado do mundo, e o Verbo, quando se fez carne, nasceu como criança, o Menino Jesus. Possibilitar o encontro da criança com Cristo, é possibilitar o encontro de nosso mundo com Cristo, em cada singularidade pueril, que representa um futuro pela frente. É, numa palavra, possibilitar o nosso encontro com Cristo. Nelas, nossa vida é, em certo sentido, reciclada, renovada, ressuscitada.

O quinto ponto, que se segue a este, é a visão do oposto. Vêem em que inferno nosso mundo se encontra? Uns dizem que é por falta de políticas públicas, outros dizem ser por faltas graves na educação, outros ainda falam ser por falta de emprego. Daí, a criança e o jovem entram na prostituição, no crime organizado, na droga e em toda sorte de maldições de nossa atualidade. Pudera! Não conheceram uma família de verdade (tendo os pais morado juntos ou não), não conheceram o amor, não conheceram o valor do corpo perante Deus e perante as responsabilidades da vida, não conheceram um valor significativo para a existência, não experimentaram a correção, o perdão, o carinho, o abraço, a harmonia, a oração, a pequenez de ser humano (e criança!), não sentiram, numa palavra, o que é viver. Queremos uma sociedade de homens e mulheres de verdade? Sejamos os primeiros a sê-lo com nossas crianças, ante a esperança e a perspectiva do Reino de Deus. Elas estão aqui para conhecê-lo e para nos fazê-lo conhecer, se que ainda não o conhecemos. Não é para outro fim, seja ele dinheiro, fama, prestígio ou boa-vida. Pode ser que algumas dessas coisas sejam meios importantes, mas elas estão aqui para ser.

O sexto ponto toca a questão delicada do aborto. Não preciso mais falar tanto sobre esse aspecto, já que o significado da criança já nos disse tanto e ainda dirá. Mas é importante dizer que, quem aborta perde a chance de ver florescer o Reino de Deus, perde a oportunidade de ver frutificar a esperança, mesmo contra toda esperança deste mundo. Quem aborta impede radicalmente o encontro com Cristo Jesus, Sentido e Razão de nosso viver. E quem vota em candidatos que defendem o aborto faz o mesmo.

Gostaria de encerrar esse breve ensaio, que vocês tiveram a paciência de ler, com o sétimo ponto: o papel da paternidade e da maternidade. São uma via ascética, um modo de buscar a conversão de nosso coração para o Amor, ante a responsabilidade assumida na presença de Deus, ante a presença do filho que exigirá um contínuo desdobramento de nossa vida, uma perene dilatação de nosso coração para o Amor de Cristo. Se, por um lado, é um caminho contemplativo, onde muitas vezes o silêncio será manifesto dentro de nós enquanto sendo uma contínua atenção à vontade de Deus e às exigências da geração (ver acima) do filho, sendo um contínuo esforço para que nossa família continue coesa no Amor de Cristo, que vence nossas hesitações e limitações, é por outro lado, o caminho para a “theósis”, a deificação, segundo a Tradição grega, ou seja, nele, situamo-nos no papel mais sublime que o homem pode ter: a participação na paternidade de Deus, único Pai, em essência. Ser pai é participar da paternidade do Pai. Lembram-se de Jesus quando disse: “não chameis a ninguém de pai, porque um só é o vosso Pai que está nos céus”? Pois bem, esse é o grande dom. Para o cristão, um filho só o chama de pai porque reconhece nele uma imagem do verdadeiro Pai, aquele que distribui os dons, de modo particular o Dom, o Espírito Santo, manifesto no Amor de Cristo. Assim, nossa paternidade é oração e contínua presença do Senhor em nossas vidas.

Dedico esse texto de modo particular aos nossos filhos, Gabriel José, tão saudoso e amado, que do seio do Pai intercede por nós, guarda-nos e guia-nos para que sejamos, eu e minha esposa, pai e mãe de verdade, Davi e Thalita, nossos filhos amados, a quem procuramos dedicar essa paternidade, como caminho de deificação para nós e para eles, para o futuro que se desdobra no Reino de Deus. Eles me inspiraram bastante acerca das palavras acima.

sábado, 12 de junho de 2010

Ela muito amou

A guerra que se trava aqui, agora e em todos os dias é contra a verdade. O problema é quando o homem se torna a verdade de si mesmo. Quando suas paixões, seus delírios, suas ilusões, seus encantos tomam a posição de referência absoluta na sua vida, o preço que essas condições trazem é muito alto, e sem dúvida alguma, machuca desde o nosso coração até os confins da terra. Os confins da terra foram machucados por nossas ilusões, pelos demônios de nossa fiel estimação.

O homem e suas verdades... Está aí: o Evangelho (Lc 7,36-50) da Eucaristia deste XI Domingo do Tempo Comum nos fala de um banquete. No banquete, há uma partilha, um envolvimento de corações, acontece a celebração da amizade, da família, do encontro. Quem deu o banquete? Um fariseu chamado Simão. Havia um ritual para receber o visitante: lavar-lhe os pés, em sinal de estar à disposição; dar-lhe o ósculo de saudação, como sinal de amizade e paz; ungi-lo com óleo, conforme lembra o Sl 132, sobre a suavidade de como é bom ver os irmãos juntos bem unidos. Nada disso Simão o fez. Falta de decoro, de ética, de estética?

Talvez Jesus tivesse motivos até para não entrar. Será que era realmente bem-vindo? Não esqueçamos o que o Evangelho diz instantes antes: “esses homens são como crianças, que não se põem a favor da alegria nem do pesar”. Esses homens tinham um real ressentimento com Jesus. Mas o convidaram para um banquete. Que banquete será esse? Eles não cumprem sequer os preceitos cultuais de receber o visitante...

Sim, a pergunta é exatamente esta: “será que Ele é realmente bem-vindo?” Até que ponto Deus é bem-vindo? Até que ponto a Verdade nos pode falar, estar conosco? Será que suportamos seu convívio? Entretanto, se a porta se abre, Ele entra.

Vejamos bem onde Jesus chega: na casa de um fariseu, na casa da Lei. Ali, supõe-se, está encerrada a Lei, o cumprimento da verdadeira piedade pós-exílica, no desejo de que Deus manifeste seu Messias mediante o cumprimento estrito da Lei. Naquela casa, as pessoas trazem essa carga de memórias. “Deus havia se manifestado muito desfavorável no tempo do descumprimento da Lei. Agora, vem um que é conhecido como Messias, fazer refeição com publicanos e pecadores? Como é isso? Refeições com aqueles que podem ser justamente a causa de nossa desgraça? Com aqueles que contaminam nossa terra e o nosso culto afastando o olhar de Deus? Bem, Ele venha ter conosco, mas a saudação da paz, isso Ele não o terá! Deus não falou mais; nós falamos, e falamos as palavras de Deus, as palavras da Torah. Não podemos estar errados...”

Mas quando Jesus se senta com eles, vem uma mulher de má fama, famosa por causa de seus pecados, sabe Deus quais. Um gesto impressionante, entretanto, ela fez. Não disse nada, sequer uma palavra. De fato, não tinha nada, só pecado, só uma fama desgraçada. E ai dela se dissesse algo na casa de um fariseu... Um gesto impressionante: aos pés de Jesus, derramava lágrimas, enxugava-os e os ungia com perfume. Tudo o que o dono da casa não o fez, ela o fez, sempre aos pés.

Jesus, entretanto, não se volta para ela, mas para Simão, pedindo permissão para contar uma parábola. Já que o clima entre Ele e Simão estava frio, fazia-se importante pedir permissão. É aquela parábola conhecida do que devia muito e do que devia pouco e ambos foram igualmente perdoados. Ao lançar a decisão para Simão sobre quem mais amou, ele diz achar que era o que devia mais, e foi aprovado pela resposta.

Bem, o contraponto já estava feito! A mulher realmente fez por um impulso interior o que Simão poderia ter feito ao menos por cumprimento da Lei. A mulher foi uma feliz pecadora; Simão falhou no cumprimento da Lei. Seja como for, parece que era de se esperar que a mulher fizesse assim, porque experimentou amor muito grande; Simão precisava de seguranças, de garantias, e o espaço que até então havia reservado para o amor era minúsculo.

Cabe dizer ainda que aquela guerra que Israel travava com Deus acontecia exatamente aí, no coração de Simão. Simão sofria, mas seu sofrimento estava reprimido porque alguma coisa havia tomado o lugar da verdade. Seu medo, medo de Deus, medo do outro, medo da vida, medo de assumir sua fragilidade, medo de ser frágil, medo de amar e de ser amado. Simão estava ferido, mas ninguém podia perceber isso, porque isso de nada adiantaria. Pior, alguém ferido é alguém indigno de entrar no Templo ou na sinagoga. E a guerra continuava em seu coração. Preferiu manter-se em guarda. E veja quem era, curiosamente, seu inimigo: a Verdade!

A mulher, pobre mulher, não resistiu. Também sentiu os efeitos da guerra. Pecava e pecava obstinada e publicamente. Era alguém assim, com suas tendências, seus vícios, suas fraquezas. Estava em guerra também, mas não agüentava mais. Não agüentava mais que esses condicionamentos continuassem a lhe subjugar, a subjugar a Realidade, a Única capaz de lhe dar verdadeira liberdade e verdadeiro sentido. Sofria, chorava seu sofrimento, sua indignidade, sua impossibilidade de estar junto ao povo de Deus, de sentir a companhia de Deus. Ah! Que mulher! Na sua indignidade, descobriu o verdadeiro valor da vida. Esparramada sobre as lágrimas que caíam pôde debruçar-se sobre o húmus da verdade, a realidade humilhada do seu ser humano, do seu ser simplesmente mulher.

De fato, ela descobriu o húmus da Verdade, pois a Verdade se manifestou como húmus e estava ali diante dela. Como perder uma oportunidade como essa? Ah! O salmista... Diz ele: “a verdade e o amor se encontrarão” (Sl 84,11). Eles se encontraram. O ascendente, mas tão vacilante amor humano encontrou a medida de seu desejo: a Verdade, manifestada como amor descendente, como misericórdia, o Amor descendente do próprio Deus. Tudo aquilo que Deus esperara de Israel, e que o próprio Sl 77 narra, dizendo o quanto lhe favoreceu, aconteceu ali, naquela cena, na casa do fariseu Simão. Bendito seja Simão, cuja casa serviu de espaço para que a verdade e o amor se encontrassem!

Nesse dia, iniciou-se na vida dessa mulher um novo tempo. Sua alma era sua alma, mas não era a mesma alma. Seu corpo era aquele seu corpo, outrora objeto do pecado, mas não era o mesmo corpo. São Paulo, em 1Cor 15, fala de um corpo carnal, um corpo psíquico e um corpo pneumático (algumas traduções usam o termo espiritual, mas é ambíguo). Pois bem, o homem psíquico é o homem fechado em sua racionalidade, o bem pensante. É Simão, o fariseu! Temos muitos desses hoje em dia... O homem carnal é o homem perdido até de sua racionalidade: que dizer da pecadora? O homem pneumático é o pneumatóforo, portador do Espírito. O pneumático é aquele que carrega a misericórdia de Deus aonde quer que vá, como consolação para si e para os outros. Sua vida é um gesto contínuo de adoração. É um sacramento vivo, onde quer que esteja. Poderá até ser odiado, pois a verdade que carrega queima como fogo os raciocínios dos psíquicos e a animalidade dos carnais, ele mesmo tendo sido queimado nesse fogo. Esse homem é, em primeira análise, Cristo Jesus. Depois, todos aqueles que assim o são, todos aqueles que foram queimados por esse fogo de sua Verdade, de seu Espírito. É por isso que os mártires se deixam queimar ou derramar sangue em nome de Cristo: sua vida é fogo do Espírito e Sangue de Cristo! Quem puder entender, entenda!

O corpo pneumático é o corpo ressuscitado. No momento em que o amor e a verdade se encontraram, que aconteceu? “Jesus disse à mulher: ‘teus pecados estão perdoados’ (...) Tua fé te salvou! Vai em paz!’”  Sua vida não poderia exalar mais do que o odor desse momento, sua voz não poderia falar de outra coisa que não dessa ocasião-chave de seu novo nascimento, seus olhos não podiam brilhar mais do que agora, sua alegria indizível poderia ultrapassar todas as guerras que os homens ou os demônios pudessem travar contra ela, porque não é contra ela que o fazem, mas contra a Verdade, contra Deus, e Este habita em todas as células de seu corpo, fala nelas e as rege na vontade consciente e decidida em amá-lo.

E mais uma palavrinha que considero importante. Quem é Simão e quem é a mulher? Num certo sentido, Simão é Israel. É lá que Cristo entra, é lá que Cristo vai dialogar com os escribas em sua juventude (Lc 2,46-47). De fato, vai-lhes encher de estupefação, mas também de revolta. É sobre Israel que recaem as palavras do Salmo 2: “por que os povos agitados se revoltam? Porque tramam as nações projetos vãos?” Simão é aquele Israel, cujo próprio nome diz, luta com Deus, como assim o fez Jacó no vau do Jaboc (Gn 32,23-33), recebendo o nome de Israel.

A mulher é a Igreja, aquela que, de Israel e das nações, vem aos pés da Verdade e se põe humildemente com lágrimas, confessando seus fracassos, suas misérias, a saudade que sente de seu Deus, da Verdade, o desejo de seu Cristo, de seu Amado, em meio à condição humilhada, condição essa em que Ele mesmo se pôs para que pudesse ser encontrado, pois caso contrário jamais o seria, a guerra continuaria, ..., e seria excessivamente desleal. Justiça foi feita!

“A verdade e o amor se encontrarão,
A justiça e a paz se abraçarão.
Da terra brotará a fidelidade,
E a justiça olhará dos altos dos céus”.

Tudo isso aconteceu hoje!

Em Cristo Jesus, Nosso Senhor, a quem sejam dadas a glória, a honra e o louvor, pelos séculos dos séculos. Amém!

domingo, 6 de junho de 2010

As lágrimas de uma mãe

Segue ainda, meus caros, mais um comentário feito ao Evangelho do Dia, a Ressurreição da Viúva de Naim, feito, por Santo Ambrósio, bispo e doutor da Igreja. Boa leitura.

A misericórdia divina deixa-se facilmente vergar pelos gemidos desta mãe. Ela é viúva; os sofrimentos ou a morte do seu único filho quebraram-na. [...] Creio que esta viúva, rodeada da multidão do povo, é mais do que uma simples mulher que merece pelas suas lágrimas a ressurreição de um filho, jovem e único. Ela é a própria imagem da Santa Igreja que, com as suas lágrimas, no meio do cortejo fúnebre e até junto do túmulo, obtém que seja devolvido à vida o jovem povo deste mundo. [...]

Porque à palavra de Deus os mortos ressuscitam, reencontram a voz e a mãe recupera o seu filho; ele foi chamado do túmulo, foi arrancado ao sepulcro. Que túmulo é este para vós, senão o vosso mau comportamento? O vosso túmulo é a falta de fé. [...] Desse sepulcro, Cristo vos liberta; saireis do túmulo se escutardes a Palavra de Deus. E, se o vosso pecado for demasiado grave para que o possam lavar as lágrimas da vossa penitência, que intervenham por vós as lágrimas da vossa mãe Igreja. [...] Ela intercede por cada um dos seus filhos, como por outros tantos filhos únicos. Com efeito, ela é plena de compaixão e experimenta uma dor espiritual e materna sempre que vê os seus filhos arrastados para a morte pelo pecado.

sábado, 5 de junho de 2010

Um grande profeta surgiu entre nós, e Deus visitou o seu povo

Escutaram o Evangelho deste Domingo (X Comum)? Não? Então, segue abaixo:


Naquele tempo, Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão. Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a acompanhava. Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!” Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam. Então, Jesus disse: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe. Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo”.
E a notícia do fato espalhou-se pela Judeia inteira, e por toda a redondeza.

Agora, comento:


Pode ser que nos sintamos alijados da Realidade fundante do Amor. Talvez pareçamos mortos, mas a fala do Senhor, seja na carícia, seja na dureza (Deus em si vai muito mais além de carícias e durezas, e usa de ambas para nos conquistar), vem querer abrir os nossos olhos para o Sol que nasce. Não nos enganemos! O Deus eterno, ao nos pôr aqui, levou tanto em consideração a sua obra que, destinando-a a Cristo, fez aparecer tudo o que lhe daria possibilidade de aparecer. Orientados pelo Oriente, ressuscitado dos mortos, acabamos por compreender que todos os entes da criação carregam em si uma memória de Deus. Eles não sabem disso. Só nós o podemos saber. Só nós lhes poderemos dar nomes, segundo a ordem concebida em nosso coração, iluminada pelo Sol que vem do Alto. Aí, nossa vida se torna culto, torna-se verdade, torna-se louvor, em continuidade com a ordem dada no processo contínuo da Criação.

Cabe dizer que estávamos mortos. Num momento seguinte, de volta à sinaxe, celebramos a Eucaristia. Só o homo celebrans, se ele não desconecta a palavra do coração, pode verdadeiramente enxergar. Caso contrário, os demônios lhe darão visões espetaculares. Na Eucaristia, tudo aquilo que a criação já vinha fazendo, celebrar, agora estamos a ver a plenitude de tudo aquilo, até onde vai esse Mistério.

O processo de alienação e desenraizamento de nosso tempo fez o homem perder o senso do Mistério. Tudo é tão trivial, tudo é tão racionalizável, destrinchável, sistematizável... Em nossas paróquias, corre-se o risco (se é que já não se mergulhou nisso) de o culto se transformar em um acontecimento trivial, que não traz mais nada de novo.

Pois bem, o homem morto, que está ressuscitando, e vos dirige a palavra veio se revigorar na Liturgia Sagrada. Ela é um Mistério, sempre tem algo grandioso a nos dizer (“Ele não se cala” nunca, não obstante seu aparente silêncio), e, embora compreendamos algo, sempre estará a dizer sempre mais. Na Eucaristia de hoje, Lucas narra a ressurreição que Jesus realizou no filho de uma viúva, de uma cidade chamada Naim (Lc 7,11-17). Havia uma multidão em cortejo fúnebre. O defunto era um filho de viúva. Prestemos atenção à situação dessa mulher, no contexto do tempo e do lugar em que Jesus estava. Quando o marido morre, a mulher jamais pode se dizer independente. Ela passa a ser responsabilidade do filho mais velho, e daí por diante. Se a mulher ficar só, ela não tem mais nenhum direito. Tem de pedir esmolas para sobreviver, viver de migalhas, coberta de molambos. Ela é ninguém, como os leprosos! Conseguiu o azar de ser jogada no mundo sem ninguém. E azar o dela! Essa mulher perdeu o marido, ...  e o filho responsável por ela. Não era só o seu filho, o seu querido, aquele que ela carregou por nove meses, viu crescer, brincar, aprender a Torah, trabalhar; era ela também que estava com sentença de morte, uma morte em vida. Uma mãe perder um filho já é um gládio que atinge o fundo de suas entranhas. Como se não bastasse, agora ela se tornara nada! Quem seria agora seu arrimo? Jesus, ao se deparar com a cena, sentiu compaixão dela.

Como é duro sentir-se só, abandonado! Não é à toa que Jesus sente compaixão dessa mulher. O que lhe daria a vida novamente? Não é à toa que a criação esconde possibilidades que só Deus, em sua pericorese, em seu movimento de Amor Trinitário, pode despertar. De fato, aí, Jesus, o Filho, realiza um milagre: reanima (devolve alma) ao jovem, ordenando-lhe levantar-se. O morto sentou-se e começou a falar. E Ele o entregou à mãe. A multidão teve medo e glorificou a Deus, dizendo: “Um grande profeta surgiu entre nós, e Deus visitou o seu povo”.

A pergunta é: o que Lucas quis dizer com isso? Será que só quis narrar um milagre? Será que só quis demonstrar o poder de Jesus sobre a morte? E por que não o experimentamos em nossos dias? Que quis dizer com isso?

Quem é a mulher? É Israel, abandonada à sua própria sorte. Seus filhos jamais lhe podem sustê-la. Eles morreram, suas crianças choram de fome, seus profetas e sacerdotes foram para o exílio, exílio de Deus. Lembram das Lamentações de Jeremias Profeta? “Olhai e vede se há dor semelhante à minha dor! ” A mulher é a humanidade, sem ninguém que advogue por ela, tratada como um trapo, ricos e pobres, homens e mulheres, jovens e velhos, solteiros e casados, estranhos, todos a si mesmos, num ensaio do que seja o inferno já aqui na terra.

Quando o filho lhe é devolvido, Israel e a humanidade se tornam reconciliada. Uma nova oportunidade, uma nova esperança se abre. Israel e a humanidade, judeus e gentios vão agora se congregar numa realidade chamada Igreja. A devolução do filho lembra a esperança ressurgida de Santa Maria Madalena, conforme cantamos na seqüência pascal, durante a Oitava de Páscoa. É essa a esperança ressurgida que sempre celebramos na Eucaristia.

E digo mais! A compaixão de Jesus não é a de quem se põe metaforicamente no lugar de outrem. Não é o simples sentir-se no lugar da mulher. Jesus vai para o lugar. Mas será o da mulher ou do rapaz? Jesus vai para o lugar do rapaz. O texto de Lucas, com paralelos sinóticos, fala, antes de mais nada, de Jesus, o Cristo, o Filho, aquele cuja ausência é desespero, e cuja devolução, da parte de Deus, onde a ciência não pode penetrar, mas está imerso na natureza por ele criada, é o renascer de nossa esperança. Se não fosse assim, a admiração da multidão seria apenas um susto pelo caricato fato de um morto interromper uma procissão fúnebre e começar a falar. Não! Seria muito pouco. A multidão professa a fé: “um grande profeta surgiu entre nós, e Deus visitou o seu povo!” O profeta fala de Deus, revela sua verdade. Lembram de Ezequiel, Profeta? Ele fala de um Deus que não fica indiferente à condição humana, por mais que se diga, como seus contemporâneos: “O Senhor abandonou o país, o Senhor não está vendo!” (Ez 9,9), como nossos contemporâneos. A fala de Jesus compreende algumas palavras (“levanta-te e anda”) e um grandioso gesto (“entregou-o à sua mãe”). De fato, Ele não precisa de muitas palavras, pois Ele é a Palavra, no dizer de Henri de Lubac, o Verbo abreviado, manifesto numa figura humana (mas foi uma figura assim, resplendente e fulgurante, que chamou Ezequiel à visão!).

Mas há aqui, ainda, ao menos no meu ver, uma última questão: houve uma mulher, bem real, bem concreta, bem histórica, de quem o Filho foi levado. Essa mulher é Maria, a mãe de Jesus. Será que Maria não lembrou dessa passagem evangélica que hoje escutamos? "Por que meu Filho, aquele que reanimou o filho da viúva de Naim e lhe deu consolação, não pode descer dessa cruz de escárnio?" Eis a noite de Maria! Naquela hora (cf. Jo 19,26-27), é assim que o evangelista João gosta de falar, Jesus dirigiu o olhar para Maria e disse: “eis o teu filho!”, e a ele, João, o discípulo amado: “eis a tua mãe!”, e diz ainda, “e daquela hora em diante o discípulo a levou para a sua casa”. Maria já tinha um filho. Ele lhe foi dado pelo próprio Jesus. Mas será a consolação de Maria completa? Bem, não será desprotegida socialmente, mas carregará consigo as marcas da Paixão de seu Filho.

Somente quando Cristo ressuscita dos mortos é que Maria pode ser consolada. Ela já não o terá como antes; tê-lo-á mais do que antes porque o Filho constituiu aí a humanidade reconciliada, da qual ela, João e mais uma inumerável descendência, de uma abundante filiação. São os filhos de Deus. Eles nasceram aí (“de Sião se diz: ‘nasceu nela todo homem!’”). Maria tem agora uma multidão de filhos, que já não são apenas seus, são de Deus. Deus assumiu seu destino e revigorou a esperança, de tal modo enchendo de óleo sua vasilha que jamais pudesse faltar. É assim que o Senhor nos cumula com o Espírito Santo, e nos enche dessa vida divina que nos faz perceber a grandiosidade de seu Amor.

A manhã deste Domingo seja ensolarada e os pássaros cantem a Deus alegremente! O Senhor continue sendo o nosso Sol e ilumine até as nossas sombras. Se as nuvens vierem, será refrigério. De um modo ou de outro, não nos deixará. Que jamais nos alijemos dELe. Amém!

Nosso Senhor queria que mesmo seus atos materiais fossem entendidos espiritualmente.

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo
Os milagres de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo impressionam todos aqueles que os escutam e crêem, mas a uns de um modo, e a outros de outro. Alguns, na verdade, maravilhados com os milagres corpóreos, não sabem chegar aos maiores; outros, ouvindo o que se passa nos corpos, admiram mais ainda o que ocorre nas almas.
Se a mãe viúva (de Naim) se alegrou com a ressurreição do jovem, nossa Mãe, a Igreja, alegra-se diariamente com a ressurreição espiritual dos homens. Aquele estava morto em seu corpo; estes, em suas almas. A morte visível daqueles, era chorada visivelmente; a morte invisível destes não era lamentada, porque sequer a percebiam. Afligiu-se, no entanto, aquele que conhecia os mortos. E só conhecia os mortos o que era capaz de dar a vida. Pois se não tivesse vindo para ressuscitar os mortos, o Apóstolo não diria: Levanta-te, tu que dormes; levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará (Ef 5, 14).
Se três mortos foram ressuscitados visivelmente pelo Senhor, muitos o foram de modo invisível. Quem poderia dizer quantos mortos ressuscitou visivelmente? Pois nem todas as coisas que ele fez foram escritas, chegando João a declarar: Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se todas elas fossem escritas uma por uma, creio que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que seria preciso escrever(Jo 21, 25).
Muitos outros, sem dúvida, foram ressuscitados por Jesus, mas não é sem razão que apenas três são mencionados. Pois nosso Senhor queria que mesmo seus atos materiais fossem entendidos espiritualmente. Não fazia milagres somente por fazer milagres, mas para que esses, causando admiração àqueles que o vissem, levassem a verdade a quem soubesse compreendê-los.
Aquele que vê as letras de um livro bem escrito, mas não sabe ler, louva apenas a habilidade do copista e admira a beleza dos caracteres, mas não sabe o que significam e o que pretendem; seus olhos louvam, mas seu espírito não compreende. Já um outro louva a arte e compreende o sentido, pois é capaz de ver não apenas o que os outros vêem, mas pode também compreender o que está escrito, o que é impossível para quem não aprendeu a ler. Assim, aqueles que viram os milagres de Cristo e não compreenderam o que significavam e o que sugeriam aos que compreendessem, admiram apenas os fatos materiais; outros admiram o fato, mas compreendem também o que significam. É assim que devemos proceder na escola de Cristo.

Quem não se encanta com a pessoa de Jesus?

Quem não se encanta com a pessoa de Jesus? Talvez alguns não se comprometam com ele, não se envolvam com ele, não se encontrem com ele, não o conheçam (com os olhos da fé e do coração). Mas quem, ao contemplar seus gestos, suas palavras, seu carinho pelo ser humano, não se encanta com ele? É este Jesus, que sendo Deus, sendo Verbo de Deus, se fez carne e armou tenda entre nós, é ele que depois de seu batismo no Jordão, passou a sua vida "fazendo o bem e curando a todos os que estavam possuídos pelo demônio".

Jesus revelou o rosto carinhoso de Deus para o ser humano. Jesus se nos revela como O que conduz-nos ao Pai, dando-nos inteira confiança de que isto é possível. Jesus nos planta também a possibilidade de confiar que uma mudança é possível. É ele a porta sempre aberta ao novo. É ele a própria novidade de Deus. Curando a todos os que estavam possuídos pelo
demônio, isto é, pacificando o ser humano de suas revoltas, remontando seus cacos interiores, pelo Mistério Pascal, realizou uma nova aliança. A aliança é nova porque não vem de códices, de palavras, de regras, mas da pessoa mesma de Jesus. Vivê-lo em cada momento, celebrá-lo em cada Missa, escutá-lo na Palavra de Deus, acolhê-lo em cada irmão é a boa obra de amor à qual ele nos chama.

A história que vou contar muitos a conhecem e ao mesmo tempo não a conhecem. Tambeém acontece entre familiares, amigos, colegas de trabalho. É curioso notar o quanto pecado entrou nos mínimos aspectos de nossa vida. É mistério! Num momento da história, como em tantos de nossas histórias, Deus dera a liberdade ao homem: "podeis comer de qualquer fruto do jardim, menos o da Árvore da Vida e da Árvore do Bem e do Mal". É uma simbologia, para que o homem não queira egoisticamente ser dono da vida e aquele que decide sobre o bem e o mal. Nossa consciência conta essa história o tempo todo. É preciso assumi-la com maturidade. Mas somos frágeis, como Adão, Adhamar, vindo da terra, como um vaso de barro: facilmente se esfarela. Nossos ímpetos mais profundos nos movem a uma plenitude, a uma totalidade, e há caminhos fáceis, rápidos e errôneos para isso. Assim é: muitas vezes decidimos o que é bem e o que é mal. Às vezes no impulso; outras vezes, com a decisão obstinada de fazê-lo. Poderíamos pensar: e agora? O homem tem jeito ainda? Talvez a resposta da história seja negativa. Talvez a mídia não nos dê uma resposta séria. Talvez a pobreza, a guerra, a fome, a violência, nossas paixões descabidas façam desfalecer a nossa esperança. Mas Jesus, que desceu até as profundezas da condição humana, elevou-a a Deus. Diz o autor da Carta aos Hebreus: "Jesus tem o poder de salvar todo aquele que se aproxima de Deus por seu intermédio". Sim, salvar, dar uma condição nova, um olhar novo, uma esperança nova. Sim, pois as coisas antigas passaram. Ele mesmo diz: "eis que faço novas todas as coisas". Não precisamos mais vestirmo-nos de folhas de parreira e se esconder de Deus. Por Jesus, temos acesso ao Pai. Lembram do leproso, do cego, do aleijado, que foram curados e saíram pulando de alegria? Sim, porque agora sua esperança reacendeu.

Como o homem ainda se esconde e fica a compensar suas mágoas, suas feridas em coisas que só lhe dão lampejos de alegria, mas não lhe trazem plena felicidade! Dá pena tal situação.

Que todos vocês possam olhar para este Jesus, que viveu, sofreu, morreu e ressuscitou, tudo para nossa salvação, e possa ser ele alegria de todos os seus dias! Olhem para ele, que diz:

"Vinde a mim todos vós que estais cansados dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo, pois o meu fardo é leve, e o meu jugo, suave."

Um grande abraço, Santo Domingo e as bênçãos de Deus.