quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A raposa e o príncipe - cativar e esperar

É conhecido o comovente capítulo XXI da obra "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupèry. Em breve, haverá a versão em desenho animado, no canal Discovery Kids. Será uma ótima oportunidade para nossas crianças e para nós mesmos, um pouco menos crianças. Neste momento, importa-me a seguinte passagem:

"Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta a agitada: descobrirei o preço da felicidade!"



O principezinho e a raposa estão dialogando sobre o que é cativar. Cativar é algo único, singular, algo que se desenvolve apenas na relação, na descoberta de um TU, de uma alteridade, de minha presença no outro, da presença do outro em mim. Cativar nos lembra da palavra cativo, escravo, servo, de modo positivo. Lembra-nos, pois, daquele a quem estamos a dispostos a ser servos, a desenvolver uma amizade profunda, verdadeira, cheia de significado. Aquele TU não é como as outra pessoas. Há tantas... Aquele TU desperta as mais profundas ressonâncias do coração, que vibra alegremente com sua presença ou somente com a expectativa de sua chegada. Desaloja-nos, faz-nos abrir uma janela para um futuro próximo, nos enche de desejo. Por fim, cativar é algo que faz parte do amar. O amor cativa, espera, deseja e se derrama... Tanto é assim que, em uma passagem seguinte do mesmo capítulo, a mestra raposa diz: Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Reparemos bem nessas palavras...



Esse livro parece um grito angustiado, mas cheio de esperanças, de um magnífico autor do século XX. Em tempos de guerra, de vacuidade interior, de niilismo, de desconfiaça, em tempos de profundo desespero na face da terra, era necessário dar significado a tamanha solidão, em meio a tantas e tantas companhias. Saint-Exupéry foi contemporâneo do filósofo judeu alemão Martin Buber, o grande filósofo das relações, alguém que encontrou mais eco na sabedoria cristã do que na judaica. Ao escrever a magnífica obra EU E TU, Buber diferencia esse tipo de relação do EU-ISSO. Uma árvore pode ser objeto de observação, dissecação e análise; pode, entretanto, bastar-me que faça sombra, e eu me alegre com ela; que dê frutos, e eu experimente a sua doçura; que seja bela, e eu me encante com sua beleza. Quando me cativa, já não é mais ISSO, mas TU.

Se desse modo se dá com a amizade, as relações familiares, com o modo pelo qual nos relacionamos com a criação, o trabalho, a economia, sim, porque só assim as relações podem se tornar verdadeiras, autênticas, frutuosas, que não se dirá a respeito de Deus? Sim, nós não o enxergamos, e o modo como Ele se deu a conhecer foi através dAquele que foi Crucificado. Se de alguma forma já era possível a seus conterrâneos e contemporâneos, a seus discípulos mais próximos, especialmente aos apóstolos tocá-lo e encontrar nEle o "desejo da vida por si mesma" (parafraseando Gibran), o mistério de sua Ressurreição abre essa perspectiva para um horizonte mais amplo, para um fôlego maior do que aquele que nossos pulmões conseguem aspirar. É um fôlego da alma, que nos encanta e nos enche de esperança e nos cativa...

Pelo Mistério Pascal, Jesus, de certa forma, desaparece dos olhos dos discípulos, para aparecer de maneira drástica em suas vidas, no coração, no corpo e na alma. Foi nessa dinâmica que se deu o tempo dos mártires, nossos heróis, e de todos os santos da história. É especialmente nos sacramentos e sobremaneira sublime em cada Eucaristia que esse Jesus, nosso Cristo, o Messias de Deus, manifesta o gosto, a voz, o som, a cor do Reino de Deus. Se nossos olhos não percebem, a fé que excita o coração se desdobra em esperança e se derrama em amor.



Mas Ele prometeu voltar. Prometeu voltar glorioso, coroado no seio do Pai. Conforme cremos, os santos e os anjos se encontram face a face, fazendo-lhes subir um canto novo, um canto de louvor, inaudível ainda aos nossos ouvidos, mas com uma fresta aberta em cada Eucaristia. Hoje, meus caros, gostaria de pensar na Eucaristia como Advento, como modo de Presença e Desejo, como um espaço onde nos lançamos para Ele, com presença de espírito e desejo do coração. Pois quem é amado é cativado, e quem ama cativa. Aos cativos, aos amados, se Aquele que é a saudade de noss'alma, estabelece uma certa distância, cabe esperar. De fato, a raposa diz ao principezinho:

É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto... 

Percebe, meu caro, percebe a sabedoria da raposa? A distância nos excitará o olhar e nosso coração se aproximará cada dia do Amado de noss'alma, como se diz no Cântico dos Cânticos. Aliás, há poucos dias, meditávamos na Oração ao Bom Pastor, que consta no Comentário ao Cântico dos Cânticos, de São Gregório de Nissa, mostra-me a mim o amado de minha alma (Ct 1,6 Vulg.). Chamo-te com esta expressão, porque teu nome supera todo outro nome e todo entendimento e nem a natureza racional toda inteira pode dizê-lo ou compreendê-lo. Por isto teu nome, pelo qual se conhece tua bondade, é o bem-querer de minha alma para contigo.

Disse outrora: Aquele que ama espera... Espera, sim, numa busca dinâmica, inquieto, como a raposa, mas sereno, por causa da certeza de sua chegada. E se esse evento nos pede fé, se nos pede jogar e apostar nosso presente e futuro nEle, que assim seja, pois é desse modo que o coração se dilata até abranger dentro de si a eternidade e toda alteridade que nela contém. É, assim, o próprio céu, dentro do coração e da história. Sim, o céu cabe em nós. Deus nos fez para isso. Que nós o abracemos, mesmo que seja necessário uma abertura total dos braços, especialmente dos braços do coração.



Como dizia Tagore, Ele vem vindo, vem vindo sempre...

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