terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Verbo de Deus virá a nós

Dos Sermões de São Bernardo, abade

Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta, não. Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como ele próprio declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que transpassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira, o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária, vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com todo o esplendor da sua glória.
Esta vinda intermediária é, portanto, como um caminho que conduz da primeira à última; na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na intermediária, é nosso repouso e consolação.
Mas, para que ninguém pense que é pura invenção o que dissemos sobre esta vinda intermediária, ouvi o próprio Senhor: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele (cf. Jo 14,23). Lê-se também noutro lugar: Quem teme a Deus, faz o bem (Eclo 15,1). Mas vejo que se diz algo mais sobre o que ama a Deus, porque guardará suas palavras. Onde devem ser guardadas? Sem dúvida alguma no coração, como diz o profeta: Conservei no coração vossas palavras, a fim de que eu não peque contra vós (Sl 118,11).
Guarda, pois, a palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. Alimenta-te deste bem e tua alma se deleitará na fartura. Não esqueças de comer o teu pão para que teu coração não desfaleça, mas que tua alma se sacie com este alimento saboroso.
Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá a ti o Filho em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as coisas. Graças a essa vinda, como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste (1Cor 15,49). Assim como o primeiro Adão contagiou toda a humanidade e atingiu o homem todo, assim agora é preciso que Cristo seja o senhor do homem todo, porque ele o criou, redimiu e o glorificará.

3º Discurso para a novena do Natal - «Escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos»

Dos Sermões de Santo Afonso Maria de Ligório, bispo

Deus fez-nos nascer depois da vinda do Messias: quantas acções de graças não Lhe devemos! Uma vez operada a redenção por Jesus Cristo, quão maiores são os benefícios que recebemos! Abraão, os patriarcas e os profetas desejaram ardentemente ver o Redentor, mas não tiveram essa felicidade. Eles cansaram por assim dizer o céu com os seus suspiros e as suas súplicas: «Céus, destilai lá das alturas o orvalho, e as nuvens façam chover o Justo! [...] Enviai o Cordeiro soberano da terra» (Is 45,8; 16,1 Vulg). [...] «Ele reinará nos nossos corações e nos livrará da escravatura na qual vivemos miseravelmente. Senhor, faz-nos ver a Tua bondade, e concede-nos a salvação» (Sl 84,8). Quer dizer: «Apressa-Te, Deus misericordioso, a derramar sobre nós a Tua ternura, enviando-nos o objecto principal das Tuas promessas, Aquele que nos virá salvar.» Foram estes os suspiros, foram estas as súplicas ardentes dos santos, antes da vinda do Messias; contudo eles foram privados durante quatro mil anos da felicidade de O ver nascer.


Esta felicidade estava-nos reservada a nós. Mas que fazemos? Que proveito tiramos dela? Sabemos amar este amoroso Redentor agora que Ele veio, que nos libertou das mãos dos nossos inimigos, que nos resgatou da morte eterna ao preço da Sua vida [...], que nos abriu o paraíso, que nos muniu de tantos sacramentos e de tantas ajudas poderosas para que O amemos e sirvamos em paz durante esta vida e nos alegremos para sempre na outra? [...] Minha alma, estarás realmente cheia de ingratidão se não amares o teu Deus, este Deus que quis ser enfaixado para te livrar das cadeias do inferno, pobre para te comunicar as Suas riquezas, fraco para te tornar forte contra os teus inimigos, oprimido pelo sofrimento e pela tristeza para lavar os teus pecados com as Suas lágrimas.

"Felizes os olhos que vêem o que estais a ver!" (Lc 10,23)

"Felizes os olhos que vêem o que estais a ver!" (Lc 10,23)

Ver o que o mundo não vê!

O Evangelho de hoje nos põe nesta esteira que nos leva ao Presépio, da mesma forma que nos leva ao Cristo glorioso do Fim dos Tempos, fazendo que já aqui e agora o vejamos, o contemplemos. A grande beatitude que Jesus declara hoje é de ver o que muitos desejaram ver e não viram. Com certeza (já meditamos sobre isso mês passado), haverá um dia em que todos verão, mas, para alguns, espero que para muito poucos, Deus deseja que para ninguém, esse dia será uma surpresa, virá, como diz Jesus no Evangelho, como um ladrão.

Ver hoje, com os olhos surpresos, admirados, cheios da certeza de eternidade do amor de Deus, aquela obra que Ele iniciou por seu Filho, em todas as circunstâncias em que vivemos, é já viver um pouco do céu. Tê-lo diante dos olhos do coração é tê-lo, sim, em esperança, mas já como uma Realidade presente que funda a todas e nos proporciona lançar um olhar com verdade para a Realidade.

Como é belo escutar o sonho dos antigos profetas... Vejam Isaías na leitura de hoje:

<<O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o novilho e o leão comerão juntos, e um menino os conduzirá. A vaca pastará com o urso, e as suas crias repousarão juntas; o leão comerá palha como o boi. A criancinha brincará na toca da víbora e o menino desmamado meterá a mão na toca da serpente. Não haverá dano nem destruição em todo o meu santo monte, porque a terra está cheia de conhecimento do SENHOR, tal como as águas que cobrem a vastidão do mar.>> (Is 11)É um sonho, uma visão, um desejo de paz. Ele pôde vislumbrar o dia em que se cumpriria a justiça do Senhor, onde a própria criação seria pacificada em todos os seus movimentos, por um único motivo: "a terra repleta do CONHECIMENTO DO SENHOR!" Essa terra, antes de ser o Universo inteiro (também o é!), é, antes de mais nada, o nosso coração, a nossa vida, a nossa história, pacificada pelo conhecimento do Senhor, pela nossa relação com Ele, pela nossa percepção de sua presença, mesmo na mais profundamente aparente ausência. É ver a beleza, onde tudo parece tão feio, ver a verdade falar por detrás das mentiras, sendo estas desmascaradas aos nossos olhos, ver a bondade em meio à crueldade de nossos tempos, ver a graça agir sobre nossos pecados.

E isso é dom de Deus. Na mesma passagem evangélica, Jesus diz, estremecido de alegria no Espírito Santo:

«Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho houver por bem revelar-lho

O coração simples, o olhar sempre voltado para um Todo-Outro, um Todo-Além de minhas expectativas, um Todo-Ser e Todo-Poderoso é que nos pode dar essa alegria no Espírito, a percepção de que os abismos e as montanhas de nossa existência estão todas sob o poder de Deus, através de seu Cristo.

Que nos dê o Pai a medida de nosso conhecimento dEle, pela ação de Cristo! Que o Natal seja para nós essa ocasião privilegiada de celebrar, depois dessas quatro semanas de Advento, essa alegria de ver em todas as obras o conhecimento e a Presença do Senhor. Aquele menino que aparecerá no Presépio contém em si toda a Sabedoria escondida, então revelada para a Vida do mundo.

Nosso Pai São Bento, no Capítulo VII da Santa Regra, lembra que o primeiro degrau da humildade é ter Deus sempre diante dos olhos. O salmista (Sl 110) concorda com ele: "Temer a Deus é o princípio do saber!" O princípio do saber, do conhecer do Senhor, é Tê-lo diante dos olhos de nosso coração. Pois bem, Jesus hoje exulta como um menino, um filho, o Filho, que se alegra com seu Pai, a quem conhece e ama. Alegremo-nos nEle e por Ele com o Dom do Pai, o Espírito Santo, unção de alegria para nós, "Espírito de sabedoria e de entendimento, Espírito de conselho e de fortaleza, Espírito de ciência e de temor do SENHOR"! (cf. Is 11).

Um abraço a todos, compartilhando a alegria, que não é como as alegrias do natal do mundo, mas uma alegria, que para além de toda expectativa meramente humana, é esperança, penitência e vigilância na oração, que compreendem este privilegiado Tempo, porque revelam a Presença Viva, que reside no meio de nós. Como canta Pe. Fábio de Melo: "Enquanto espero a sua volta, eu volto aqui". Quem ama, espera, porque sabe da certeza do Amor que lhe transcende. A raposa do "Pequeno Prínicipe", de Antoine de Saint-Exupéry, disse que se o principezinho chegasse às cinco da tarde, às quatro, essa raposa estaria ansiosa, cheia de alegria, porque ele estava para chegar, porque ele a havia cativado. Isso é o que significa esperar na presença!!! É esperar sabendo que nosso coração já foi cativado e conquistado por Ele. A raposa diz sabiamente: "Tu és eternamente responsável por aquilo que cativas". Que lição essa a da raposa!!! Esperar é permanecer, é estar aí, é já curtir a presença, vivenciá-la, voltar sempre, porque maravilhosa a nossos olhos, os olhos de nosso coração! Ele nos cativou, Ele se mostrou responsável por nós!!!

domingo, 27 de novembro de 2011

"Ah! Se rompesses os céus e descesses!"

Caros amigos e leitores,


entramos no Santo Tempo do Advento e no Ano Novo do Senhor de 2012. Retomo abaixo um texto que escrevi há 3 anos neste blog, comentário à I Leitura de hoje. Santo Advento a todos, Feliz 2012 e boa leitura:



"Ah! Se rompesses os céus e descesses! As montanhas se desmanchariam diante de ti. Desceste, pois, e as montanhas se derreteram. Nunca se ouviu dizer nem chegou aos ouvidos de ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto tu, tenha feito tanto pelos que nele esperam." (Is 63,19b; 64, 2b-3)



Como são belos os sentimentos do santo autor!!! Com este texto, na Santa Missa de hoje, iniciamos o Santo Tempo do Advento, da preparação para a vinda do Senhor. Também com isso iniciamos o Ano do Senhor de 2009. Por isso, um santo ano novo a todos!

O texto é do século VI aC, depois do exílio de Babilônia. Faz parte dos escritos do chamado Trito-Isaías, um autor anônimo, que publicou seus textos sob a égide da Profeta Isaías, para que, tornando-se conhecidos, pudessem ser uma palavra de consolo e esperança a Israel. Aliás, é de esperança que esse tempo nos quer falar.

"Ah! Se os céus se abrissem!!!" Ah!, Senhor! Se eles se abrissem, poderíamos olhar para o alto e ver que nossa vida é tão mais do aquilo que podemos ver, apalpar, sentir, raciocinar, pesquisar, fazer... Ah! Senhor, se eles se abrissem, nosso horizonte se abriria, nosso coração se dilataria, nossa mente se tronaria humilde diante do grandioso mistério que se encontraria diante dela. Ah! Senhor, se os céus se abrissem!

Há tantos de nós e tanto dentro de nós que ainda desejam que os céus se abram, que uma esperança surja para eles, que seu pulmão respire um ar novo e fecundo de perenidade, que sua vida se preencha de realidades que não passam, porque tudo parece tão instável, tão confuso, tão injusto, tão mesquinho, dentro e fora de nós!!! Ah,se descesses! Que presente não seria. Já não mais precisaríamos enganar nossos filhos com a figura do Papai Noel, com a figura de um mundo que passa, que se estraga, que murcha, que se estraga! Já não precisaríamos pô-los na esteira da morte, que parece levar todos os homens nos seus hábitos que levam a defender o ego, os apegos, o lucro violentador, a injustiça, a violência, o abandono, a falta de paz!!! Tudo isso, Senhor, se eles se abrissem!

Há tantos de nós e tanto em nós que jamais se abre a esse céu!!! E isso é o que há de pior, Senhor, porque, nesse caso, não há perspectiva de esperança para nós, a não ser a própria destruição! Senhor, há tantos de nós e tanto em nós que só respira morte e apesar de, no mais profundo e íntimo do ser, surge, mesmo que abafado o grito: "Ah, Senhor! Se os céus se abrissem e descessem!"

Mas o Profeta hoje vem nos dar um alento, um sinal de esperança. Ele saiu de Babilônia e voltou a Jerusalém. Ela estava destruída, e isso o levava a gritar: "Ah, Senhor! Se os céus se abrissem e descessem!" Mas o Profeta não havia se prendido a isso. Ele, com seu povo, estava em Jerusalém. Canta o salmista: "quando o Senhor reconduziu nossos cativos, parecíamos sonhar. Encheu-se de sorriso nossa boca, nossos lábios de canções! Maravilhas fez conosco o Senhor! (Cf. Sl 125). Pois bem, o profeta também atrás: Sim, "desceste, pois, e as montanhas se derreteram diante de ti". Quem eram as montanhas? O poder de Babilônia. Ele se desmantelou, ele passou, ele foi destruído.

Em nós, as montanhas estão nos pecados mais enraizados no fundo do coração. São eles palavras interiores, comandos que nos põem na "rede que envolve todos os mortais". São eles que derramam para fora de nós o fel que anuvia a esperança e a paz. São eles que fazem adoecer a nossa vida, a nossa história, a nossa ciência, a nossa política, a nossa economia, a nossa paternidade, o nosso ensino, o nosso ser inteiro. São como nuvens tenebrosas que fecham o horizonte do nosso coração.

Ah! O profeta... ELe nem sabia do que estava falando. Era como uma parábola, uma metáfora para dar a conhecer o seu povo o teu poder. Mas desceste mesmo, desceste de verdade, desceste em carne e osso, e entraste em nossos infernos, em nossas montanhas escarpadas, que dificultam nosso caminhar. Viveste nossa história, tocaste em tudo, "encheste tudo de formosura" (Cf. São João da Cruz) e nosso olhar agora pode se abris, nosso coração se dilatar, nossa vida voltar a ter esperança, nosso horizonte poderá ser contemplado!!!

Sim, Senhor, desceste! Desce em nós, no mais profundo de nós e revira todas as lógicas que desgraçam o homem contra suas próprias contradições. Porque descestes em um inferno que ninguém talvez tenha descido e ressurgistes dos mortos, no seio do Pai. Diz Saõ Paulo, "Aquele que desceu é o mesmo que subiu!" Os céus se rasgaram, se escancararm, o próprio Pai celeste disse: "Tu és o meu Filho amado!" Ele disse isso mesmo a nós no dia de nosso Batismo. Por seu Verbo e Filho, continuamente vem dizer a nós: "tu és meu filho amado, eu te gerei, em ti ponho meu bem querer!" (Cf. Is 42,1; Sl 2,7).

Na expectativa de vossa vinda final, Senhor, te esperamos cada dia. Cada dia elevaremos o clamor do profeta: "Ah, Senhor! Se os céus se abrissem e descesses! Mas tu desceste, e as montanhas se derreteram diante de ti!" Pois cada dia tu mostras, revelas, que tu és tu mesmo que desces a nós: na Eucaristia, na vossa Palavra, nos irmãos, em nossa família, no meio de nossos colegas de trabalho, pelos amigos e inimigos, pelos irmãos carentes, no meio de nossa história pessoal e coletiva. Eis que vens vindo sempre, para que naquele Dia que só tu conheces, possamos ver-te face a face!

Hoje, Senhor, entregamos a ti, no início de um novo tempo, neste Advento, nossa esperança, para que o Natal seja para nós um momento de vigor tão grande que nossas esperanças tão menores possam ser transfiguradas em teu fogo de amor e tais como as montanhas que também passam, pois se tivermos fé, "poderemos dizer a uma montanha 'põe daqui para lá' e ela obedecerá". O problema é que nossa fé não chega ao tamanho de méson pi, e pede, suplica diante de ti que estejas sempre abrindo os céus para nós e sempre amplie nosso respirar, dilate nosso coração e revigore nossa esperança naquilo que pode e deve ser esperado, para além de todas as esperanças e desesperanças humanas, pelas quais passaremos até limpidamete enxergarmos vosso rosto.

Sim, Senhor, os céus se rasgaram e descesses! Quando vermos na manjedoura um Menino, ali estará o sinal de nossa esperança. Ele é tão frágil, tão pequeno, chora, sente frio, faz cocô, tem fome. Que sinal de contradição nossa esperança! Mas só nesse sinal nossas tão reais contradições podem encontrar um sentido e uma verdade que lhes diga respeito, que lhes dê uma lógica toda nova, ultrapassando todas as nossas lógicas iludidas, estultas e enlouquecidas!

Seja ele a nossa paz, que do que está dividido faz Um, porque Um é Ele com o Pai e o Espírito Santo! Que ao vê-lo no presépio possamos lembrar de que Ele vem, e Ele nos vê e contempla. Contemplemo-lo, com os olhos límpidos. Que se abram os céus de nosso coração para um Santo e Feliz Natal!!!

As duas vindas de Cristo

Meus caros, entramos no Santo Tempo do Advento. Percebam como os Santos Padres falam da Vinda de Cristo. São dois momentos marcantes: seu primeiro Advento, em Belém, e o segundo, no Fim dos Tempos, quando será tudo em todos. As duas sustentam todas as mais ou menos discretas vindas, dia após dia, do Senhor a nós, para que aprendamos a conhecê-lO e a viver com Ele para sempre. Esta é a razão de ser de nossa vida. 

Pois bem, enviarei, na medida do possível, exemplos de textos dos Santos Padres que nos mostram essa dinâmica da Vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. Segue abaixo um trecho das Catequeses de São Cirilo de Jerusalém, bispo, lido por toda a Igreja no dia de hoje. Boa leitura!


Anunciamos a vinda de Cristo: não apenas a primeira, mas também a segunda, muito mais gloriosa. Pois a primeira revestiu um aspecto de sofrimento, mas a segunda manifestará a coroa da realeza divina.

Aliás, tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla dimensão. Houve um duplo nascimento: primeiro, ele nasceu de Deus, antes dos séculos; depois, nasceu da Virgem, na plenitude dos tempos. Dupla descida: uma, discreta como a chuva sobre a relva; outra, no esplendor, que se realizará no futuro.




Na primeira vinda, ele foi envolto em faixas e reclinado num presépio; na segunda, será revestido num manto de luz. Na primeira, ele suportou a cruz, sem recusar a sua ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos.

Não nos detemos, portanto, somente na primeira vinda, mas esperamos ainda, ansiosamente, a segunda. E assim como dissemos na primeira: Bendito o que vem em 
nome do Senhor (Mt 21,9), aclamaremos de novo, no momento de sua segunda vinda, 
quando formos com os anjos ao seu encontro para adorá-lo: Bendito o que vem em nome do Senhor.

Virá o Salvador, não para ser novamente julgado, mas para chamar a juízo aqueles que se constituíram seus juízes. Ele, que ao ser julgado, guardara silêncio, lembrará as atrocidades dos malfeitores que o levaram ao suplício da cruz, e lhes dirá: Eis o que fizestes e calei-me (Sl 49,21).

Naquele tempo ele veio para realizar um desígnio de amor, ensinando aos homens com persuasão e doçura; mas, no fim dos tempos, queiram ou não, todos se verão obrigados a submeter-se à sua realeza.

O profeta Malaquias fala dessas duas vindas: Logo chegará ao seu templo o Senhor que tentais encontrar (Ml 3,1). Eis uma vinda.

E prossegue, a respeito da outra: E o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, 
quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; 
e estará a postos, como para fazer derreter e purificar (Ml 3,1-3).

Paulo também se refere a essas duas vindas quando escreve a Tito: A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens. Ela nos ensina a abandonar a 
impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade, aguardando 
a feliz esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo (Tt 2,11-13). 
Vês como ele fala da primeira vinda, pela qual dá graças, e da segunda que esperamos?

Por isso, o símbolo da fé que professamos nos é agora transmitido, convidando-nos a crer naquele que subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, 
para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Nosso Senhor Jesus Cristo 
virá portanto dos céus, virá glorioso no fim do mundo, no último dia. Dar-se-á a consumação do mundo, e este mundo que foi criado será inteiramente renovado.


Deus não tem prazer em condenar, mas em salvar

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo
               O nosso Deus vem manifesto e não se calará (Sl 49, [50], 2). Cristo Senhor, nosso Deus, o Filho de Deus, que veio oculto no primeiro advento, virá manifesto no segundo. Quando veio oculto, revelou-se apenas a seus servos; quando vier manifesto, se revelará aos bons e aos maus.
               Quando veio oculto, veio para ser julgado; quando vier manifesto, virá para julgar. Quando foi julgado, calou-se, e de seu silêncio havia predito o Profeta: Como um cordeiro foi conduzido ao matadouro; como uma ovelha que permanece muda na presença de seus tosquiadores, ele não abriu a boca (Is 53, 7).
               Mas o nosso Deus vem manifesto e não se calará. Quando vier para julgar, ele não se calará como quando veio para ser julgado. Desde agora não se cala, se há quem o escute; mas foi dito: não se calará, quando então mesmo os que presentemente o desprezam reconhecerão a sua voz. Agora, quando se declaram os preceitos de Deus, alguns chegam a rir. Como não se mostra ainda o que Deus prometeu, nem se vê o cumprimento de suas ameaças, eles se riem dos seus preceitos. Por ora, com efeito, a felicidade dita deste mundo, também os maus a têm; e a infelicidade dita deste mundo, também os bons a possuem.
               Os homens que crêem nas realidades presentes, mas não nas futuras, observam que os bens e os males do mundo atual cabem indistintamente aos bons e aos maus. Se querem riquezas, vêem tanto homens bons como homens péssimos as possuírem. Vêem também, se detestam a pobreza e as misérias deste mundo, que delas sofrem não só os bons, mas também os maus. E dizem em seu coração que Deus não se ocupa das coisas humanas, mas nos deixou completamente abandonados ao acaso, nos confins deste mundo, privados de qualquer providência. Por isso, se instala neles o desprezo pelos preceitos, porque não vêem a manifestação do juízo.
               Contudo mesmo agora, todos podem perceber que Deus, quando quer, olha e castiga, sem deixar para depois; porém, quando quer, pacienta. E por que? Porque se jamais castigasse no presente, não se acreditaria em sua existência; se, por outro lado, condenasse tudo desde agora, nada reservaria para o juízo. Muitas coisas são, pois, reservadas para o juízo, e algumas julgadas no presente, para que temam e se convertam os que têm sua vez adiada. Deus não tem prazer em condenar, mas em salvar; por isso é paciente para com os maus, a fim de torná-los bons. Diz o Apóstolo que a ira de Deus revela-se contra toda impiedade (Rm 1, 18) e que Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras (Rm 2, 6).
               Na verdade, o Apóstolo admoesta e repreende o desprezador, dizendo: Acaso desprezas as riquezas de sua bondade, de sua tolerância? (Rm 2, 4). Porque ele é bom, tolerante e paciente para contigo, poupa-te e não te destrói, não fazes caso, pensando que Deus não julga, desconhecendo que a bondade de Deus te convida à conversão. Por causa de teu endurecimento e de teu coração impenitente, estás acumulando ira para ti mesmo, no dia da ira, quando se revelará o justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas obras (Rm 2, 4-6).

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Agora, vamos ao que interessa nesse blá-blá-blá de concessão e tudo o mais

Tudo aponta para a patrulha das esquerdas, sempre alertas...

Não deu nem tempo de dizer que a Canção Nova tomou uma decisão acertadíssima em extirpar as raízes iníquas, de políticos mais ou menos reconhecidamente anticristãos (ainda que viesse a extirpar um ou outro que não o fosse), e agora o MPF resolveu tomar uma decisão, que, segundo consta nos jornais do post abaixo, entra com processo para retirar a concessão desse canal e a TV Aparecida, porque ocorreram "sem a observância de processo de licitação obrigatório para concessão de serviço público", o que somente poderia se realizar para canais educativos. Segundo o procurador que entrou com o pedido de cassação da concessão, este não tem nenhum vínculo com o tipo de conteúdo transmitido pelas emissoras, "mas com o fato de terem sido outorgadas sem licitação, o que põe em xeque a utilização democrática e transparente desse meio de comunicação, que é eminentemente público".

A pergunta que não quer calar é: se é assim, por que isso não foi feito antes (bem antes, muito antes - estamos falando em 1997 e 2001) de Edinho, Chalita & cia. ltda. serem despejados da programação? Por que esse pedido de cassação só foi feito agora, ou seja, com menos de uma semana do despejo? Sim, sim, alguém me responda: se havia irregularidade, por que não saná-la antes?

O procurador ainda diz que isso "põe em xeque a utilização democrática e transparente desse meio de comunicação, que é eminentemente público". Muito bem: há quase 15 anos, a coisa não só andava funcionando assim como atraía multidões, educava multidões e diminuía consideravelmente o efeito trágico a que os outros canais abertos empurram a maioria das famílias brasileiras, especialmente seus filhos. Seria a hora de haver a abertura ao debate público do papel social dos canais religiosos, especialmente num país em que a maioria absoluta da população ainda se declara cristã, ainda predominantemente católica.

Veja bem, meu leitor. Não se trata de um privilégio, mas de realmente falar em uma democracia, talvez ainda possível. Chavões como essa frase têm cheiro de esquerda. Vamos ver como se desenrolam os fatos. Se isso for adiante vamos ver como as esquerdas (tão aduladas por certos bispos, padres e teólogos - gente alheia ao rebanho de Cristo) usavam dos favores da lei (reconhecer o canal religioso como educativo) quando esperavam dali um palanque eleitoral, e ora usam dos seus rigores (a religião, diga-se, católica, não corresponde tecnicamente ao melhor projeto educacional) na hora em que a religião, como toda instituição firme, coloca seus limites a si e aos outros.

Porque educar (temos visto isso sobretudo nos episódios ocorridos ultimamente na USP, na UniRio, na UFPR e na UFGO, entre outras), para as esquerdas, é doutrinar segundo seus princípios. E seus princípios não reconhecem limites, especialmente os institucionais. Aliás, o que estamos vendo acontecer com as instituições hoje mesmo, hein?

Começou a retaliação, por mais que digam que não...

"TVs Canção Nova e Aparecida podem sair do ar": é o que estampa o Diário de São Paulo, acessado aqui.

Ou, se preferir, tem também a Folha, aqui, sob o título: "Procuradoria quer anular concessões das TVs Aparecida e Canção Nova".

 Tem ainda a matéria, em O Vale, de São José dos Campos:  "MPF quer anular concessões de emissoras católicas do Vale".

 A notícia não é boa, mas era de esperar. Preparemo-nos: "se eles se calarem, as pedras gritarão".

Mais adiante, volto ao assunto.

A Glória de Deus escondida nas criaturas, de Olivier Clément

Caros leitores,

aos poucos irei colocar uma tradução de um texto de Olivier Clément, pouco conhecido por essas bandas do Hemisfério Sul, que, não obstante ter sido um membro da Igreja Ortodoxa Russa, foi um dos mais importantes teólogos do século XX, retomando a Teologia Mística dos Santos Padres e dando a seus leitores um sentido profundo e sereno do ser cristão.

Assim, em média, devo publicar um trechinho por mês, à medida que também envio para publicação no periódico "A Voz do Mosteiro", do Mosteiro de São Bento de Pouso Alegre (MG). Eis o trecho inicial, publicado neste novembro:




A contemplação começa somente depois do completamento dos exercícos ascéticos (praxis), cujo objetivo é o alcance da liberdade interior (apatheia), ou seja, a possibilidade de amar. A contemplação consiste de duas etapas: a direta comunhão com Deus é o objetivo, de fato, mas primeiro devemos voltar para o “conhecimento das criaturas” ou “cοntemplação da natureza” (physike theoria), ou seja, a contemplação “dos segredos da glória de Deus escondida em suas criaturas”.

«A fé é uma porta de entrada para os mistérios. Aquilo que os olhos do corpo são para os objetos físicos, a fé é para os objetos ocultos da alma. Assim como corporlamente temos dois olhos, assim também temos dois olhos espirituais, e cada um tem sua própria maneira de ver. Com um deles, vemos a glória de Deus escondida nas criaturas; com o outro nós contemplamos a glória da santa natureza de Deus quando Ele decide nos dar acesso a seus mistérios.» (Tratados Ascéticos de Isaac de Nínive, 72, p. 281)

As pessoas que não conhecem nada de Deus – e há uma multidão delas em nosso tempo – no entanto, têm uma vaga idéia dEle através das coisas que criou, quando olham para elas, além de seus usos práticos, em sua beleza e estranha gratuidade. Então elas são preenchidas de encanto. Como disse Wittgenstein, para o milagre real é que as coisas existem! O cosmos – uma palavra que para os antigos Gregos significava ao mesmo tempo ordem e ornamento – pelo processo contínuo da transformação da morte em vida e do decaimento em crescimento, testemunha especificamente a uma inteligência em trabalho, a qual, em um tempo de aparentemente contínuo avanço científico, nossa inteligência é capaz de decifrar. “Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis em Deus, o seu sempiterno poder e divindade, tornam-se visíveis à inteligência pelas suas obras; de modo que não se podem escusar” (Rm 1,20). Como Dumitru Staniloae enfatiza sua Teologia Dogmática (Bucareste, 1978), a grande racionalidade do mundo seria inexplicável sem um Sujeito eterno. Isso “pressupõe o racional, o mais do que racional, a profundidade apofática de uma Pessoa eterna, e tem significado somente se for endereçado pela Pessoa eterna a pessoas com poderes racionais e mais que racionais, uma vez que carrega um encontro e uma comunhão de amor entre elas'.

«Todas as coisas tenderão a nada em virtude de sua natureza se elas não forem governadas por Deus .» (São Gregório Magno - Comentário ao Livro de Jó, 16,37,45 (PL 75,1144).

Para os Padres há aqui uma questão aqui não tanto de teologia natural quanto de uma revelação original, um pacto com o Logos (Verbo) “através dO Qual todas as coisas foram criadas” (Cl 1,16), um pacto que foi renovado e maravilhosamente aprofundado pela encarnação do Logos. Evágrio deixa claro que a Sabedoria e o Poder de Deus, acerca do qual fala São Paulo, são o Filho e o Espírito. O sentido do universo é somente possível com a Trindade. Para obter o propósito do universo é revelado pelo Logos, e é o Espírito, o sopro que dá vida, que está causando cada coisa e o universo como um todo tendendo na direção desse propósito. O mundo, para um cristão, é um texto trinitário, ou melhor é um pano de tecido: os fios da urdidura fixos simbolizam o Logos, os fios da trama em movimento, o dinamismo do Pneuma (Espírito).



(conforme disse, continua em dezembro...)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A raposa e o príncipe - cativar e esperar

É conhecido o comovente capítulo XXI da obra "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupèry. Em breve, haverá a versão em desenho animado, no canal Discovery Kids. Será uma ótima oportunidade para nossas crianças e para nós mesmos, um pouco menos crianças. Neste momento, importa-me a seguinte passagem:

"Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta a agitada: descobrirei o preço da felicidade!"



O principezinho e a raposa estão dialogando sobre o que é cativar. Cativar é algo único, singular, algo que se desenvolve apenas na relação, na descoberta de um TU, de uma alteridade, de minha presença no outro, da presença do outro em mim. Cativar nos lembra da palavra cativo, escravo, servo, de modo positivo. Lembra-nos, pois, daquele a quem estamos a dispostos a ser servos, a desenvolver uma amizade profunda, verdadeira, cheia de significado. Aquele TU não é como as outra pessoas. Há tantas... Aquele TU desperta as mais profundas ressonâncias do coração, que vibra alegremente com sua presença ou somente com a expectativa de sua chegada. Desaloja-nos, faz-nos abrir uma janela para um futuro próximo, nos enche de desejo. Por fim, cativar é algo que faz parte do amar. O amor cativa, espera, deseja e se derrama... Tanto é assim que, em uma passagem seguinte do mesmo capítulo, a mestra raposa diz: Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Reparemos bem nessas palavras...



Esse livro parece um grito angustiado, mas cheio de esperanças, de um magnífico autor do século XX. Em tempos de guerra, de vacuidade interior, de niilismo, de desconfiaça, em tempos de profundo desespero na face da terra, era necessário dar significado a tamanha solidão, em meio a tantas e tantas companhias. Saint-Exupéry foi contemporâneo do filósofo judeu alemão Martin Buber, o grande filósofo das relações, alguém que encontrou mais eco na sabedoria cristã do que na judaica. Ao escrever a magnífica obra EU E TU, Buber diferencia esse tipo de relação do EU-ISSO. Uma árvore pode ser objeto de observação, dissecação e análise; pode, entretanto, bastar-me que faça sombra, e eu me alegre com ela; que dê frutos, e eu experimente a sua doçura; que seja bela, e eu me encante com sua beleza. Quando me cativa, já não é mais ISSO, mas TU.

Se desse modo se dá com a amizade, as relações familiares, com o modo pelo qual nos relacionamos com a criação, o trabalho, a economia, sim, porque só assim as relações podem se tornar verdadeiras, autênticas, frutuosas, que não se dirá a respeito de Deus? Sim, nós não o enxergamos, e o modo como Ele se deu a conhecer foi através dAquele que foi Crucificado. Se de alguma forma já era possível a seus conterrâneos e contemporâneos, a seus discípulos mais próximos, especialmente aos apóstolos tocá-lo e encontrar nEle o "desejo da vida por si mesma" (parafraseando Gibran), o mistério de sua Ressurreição abre essa perspectiva para um horizonte mais amplo, para um fôlego maior do que aquele que nossos pulmões conseguem aspirar. É um fôlego da alma, que nos encanta e nos enche de esperança e nos cativa...

Pelo Mistério Pascal, Jesus, de certa forma, desaparece dos olhos dos discípulos, para aparecer de maneira drástica em suas vidas, no coração, no corpo e na alma. Foi nessa dinâmica que se deu o tempo dos mártires, nossos heróis, e de todos os santos da história. É especialmente nos sacramentos e sobremaneira sublime em cada Eucaristia que esse Jesus, nosso Cristo, o Messias de Deus, manifesta o gosto, a voz, o som, a cor do Reino de Deus. Se nossos olhos não percebem, a fé que excita o coração se desdobra em esperança e se derrama em amor.



Mas Ele prometeu voltar. Prometeu voltar glorioso, coroado no seio do Pai. Conforme cremos, os santos e os anjos se encontram face a face, fazendo-lhes subir um canto novo, um canto de louvor, inaudível ainda aos nossos ouvidos, mas com uma fresta aberta em cada Eucaristia. Hoje, meus caros, gostaria de pensar na Eucaristia como Advento, como modo de Presença e Desejo, como um espaço onde nos lançamos para Ele, com presença de espírito e desejo do coração. Pois quem é amado é cativado, e quem ama cativa. Aos cativos, aos amados, se Aquele que é a saudade de noss'alma, estabelece uma certa distância, cabe esperar. De fato, a raposa diz ao principezinho:

É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto... 

Percebe, meu caro, percebe a sabedoria da raposa? A distância nos excitará o olhar e nosso coração se aproximará cada dia do Amado de noss'alma, como se diz no Cântico dos Cânticos. Aliás, há poucos dias, meditávamos na Oração ao Bom Pastor, que consta no Comentário ao Cântico dos Cânticos, de São Gregório de Nissa, mostra-me a mim o amado de minha alma (Ct 1,6 Vulg.). Chamo-te com esta expressão, porque teu nome supera todo outro nome e todo entendimento e nem a natureza racional toda inteira pode dizê-lo ou compreendê-lo. Por isto teu nome, pelo qual se conhece tua bondade, é o bem-querer de minha alma para contigo.

Disse outrora: Aquele que ama espera... Espera, sim, numa busca dinâmica, inquieto, como a raposa, mas sereno, por causa da certeza de sua chegada. E se esse evento nos pede fé, se nos pede jogar e apostar nosso presente e futuro nEle, que assim seja, pois é desse modo que o coração se dilata até abranger dentro de si a eternidade e toda alteridade que nela contém. É, assim, o próprio céu, dentro do coração e da história. Sim, o céu cabe em nós. Deus nos fez para isso. Que nós o abracemos, mesmo que seja necessário uma abertura total dos braços, especialmente dos braços do coração.



Como dizia Tagore, Ele vem vindo, vem vindo sempre...

Comentário a Cristo Rei, de D. Henrique Soares da Costa

No último Domingo (foi o último do Ano do Senhor de 2011), D. Henrique, bispo auxiliar de Aracaju, comentou as leituras do dia através do seguinte texto, presente em seu blog:

No Evangelho desta Solenidade de Cristo Rei aparecem alguns detalhes interessantes e de significado profundo. Jesus está falando do Juízo Final.
Primeiramente é de se observar que aquele que tudo julgará será o “Filho do Homem”. Recorde o meu Leitor o significado deste título, que Jesus gosta de se dar a si mesmo: "Filho do Homem" é o misterioso ser de Daniel 7; aquele que virá de junto de Deus, com a sua glória e o seu poder. Por outro lado, “Filho do Homem” é o modo como Deus chama o tempo todo o profeta Ezequiel e significa simplesmente homem, como “filho da mentira” quer dizer simplesmente mentiroso e “filho da perdição”, perdido. “Filho do Homem”, “Filho do Adão” do bicho tirado da “adamah”, terra, em hebraico: filho do terroso, do bicho de terra, frágil, quebradiço, fácil de espatifar-se todo!
Jesus, então, quer deixar claro quem ele é: o nosso Juiz, grande e divino feito homem humilde; homem humilde até a morte de cruz, feito glorioso pela ressurreição e a quem o Pai entregou toda autoridade no céu e na terra. Ele pode nos julgar porque é “Filho do Homem”, foi feito um de nós, de busca e dor, de sonho e amor, de carências, incertezas, alegrias e tristezas, nascimento e morte. Nosso Juiz, tão grande e majestoso, é primeiramente nosso irmão, Filho de Deus feito filho de Adão, vindo do Alto feito vindo da terra, do húmus da nossa humilde condição!
Ele virá em glória, o Filho do Homem; homem na glória que é de Deus, Homem verdadeiro, glorificado não da glória vã, passageira, ilusória, mentirosa... Glória que significa consistência, plenitude, eternidade. Glória de quem se assenta no trono para julgar com juízo inapelável, verdadeiro e definitivo! E então – segundo ponto que eu desejo salientar -, todos os povos da terra serão reunidos diante dele! Eis: o universo e a história caminham para seu Ponto Ômega, seu Fim-Finalidade, seu Último, seu Destino, seu Futuro: é Jesus humano glorificado! E ninguém e nada poderão fugir dele: todos os povos da terra, todos os filhos de Adão e filhas de Eva estaremos diante dele, nossa Verdade, nosso Critério, nosso Juiz: diante dele os que o amaram e os que o odiaram, os que nele creram e que a ele desprezaram, os que nele esperaram e os que ao seu Nome deram de ombros, os que diante dele se ajoelharam e os que o esnobaram. Todos seremos por ele julgados: crentes e descrentes, bons e maus, cristãos e pagãos. Ele é Senhor de todos e de tudo! Nele aparecerá, sem máscara nem ambigüidades, tudo o que somos e tudo quanto tudo é! Que ninguém se iluda: nossa vida – minha vida e sua vida, meu Leitor – corre para Cristo como um riachinho teimoso corre para o mar!
Um terceiro ponto, muito significativo: Aquele que vem como Juiz tremendo nos julgará como um pastor! Ah, meu Leitor, que Jesus sempre nos surpreende, sempre nos educa! No Antigo Testamento o primeiro pastor do povo é o rei, que em nome de Deus deve cuidar do povo da aliança, sobretudo do pobre, do estrangeiro, da viúva e do órfão. O rei-pastor deve defender seu povo, deve educá-lo no caminho da aliança com o Senhor Deus. Então: esse Filho do Homem tão majestoso é o mesmo Pastor Bom que deu a vida pelas ovelhas, é o mesmo que disse: “Eu sou o bom pastor, eu conheço as minhas ovelhas. Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas! Por isso o Pai me ama: porque eu dou a vida pelas ovelhas. Tenho o poder de entregá-la e o poder de retomá-la; este foi o preceito que recebi do meu Pai!” Meu Juiz me ama, meu Juiz deu a vida por mim, meu Juiz é meu Pastor, que me veio procurar, que se arriscou por mim, que me conhece pelo nome... Santa Teresinha, atrevida como sempre foi, dizia, beirando o excesso: “Não tenho medo do julgamento porque o Juiz é meu amigo!” Mais que amigo: é o meu Pastor, que não me deixa faltar coisa alguma, que me conduz até o repouso, que me unge e alimenta de vida....
O que o Juiz-Pastor dirá às ovelhas? Aos da sua direita? "Vinde" (a mim, para perto de mim)! E aos da sua esquerda? "Afastai-vos de mim!" Compreende, Leitor amigo? Percebe? Nossa salvação, nosso céu, nossa plenitude, é estar com ele, perto dele, no seu calor e na sua vida, no seu aconchego e no seu coração. Hoje, no evangelho, o céu é chamado de “Vinde!” E o inferno, a frustração, a danação irremediável, pior que a pior depressão, mais escuro que a mais negra noite, o fracasso inapelável da existência é resumido numa expressão: “Apartai-vos de mim!” Apegar-se a ele – eis o céu! Fazer dele nosso pensamento, nossa mania, nossa fixação, nossa esperança, nosso apoio, nosso sonho, nosso modo de viver – eis o paraíso! Entre o “vinde” e o “ide” vai decidir-se o meu destino! – Senhor, piedade de mim, pecador!
Há ainda um detalhe que impressiona pela fineza teológica. Observe o dizer de Jesus: “Vinde! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo!” Está vendo? Deus não nos criou para o inferno, não pensou o inferno para nós! Vinde para o céu que o Pai vos preparou desde a criação do mundo, pois o Pai pensou em vos criar em Cristo para Cristo. Como diz a Escritura: Antes da fundação do mundo, Deus nos predestinou em Cristo para sermos santos e imaculados diante dele no amor! O céu nos foi preparado; é para lá nossa saudade, é lá nosso repouso, é lá nosso destino. Perdê-lo é viver no contrassenso, na negação eterna! Note o que o Juiz dirá aos condenados: “Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos”. O inferno não estava preparado para ninguém deste o início da criação! Se Satanás caiu no inferno foi porque seu afastamento do Senhor tornou sua existência uma realidade infernal! E eu e você podemos participar dessa terrível situação, que Deus não quer para nós, não criou para ninguém, mas que é uma realidade possível para cada um de nós! Deus não criou o inferno nem tampouco o preparou para nós! E, no entanto, podemos terminar nele!
Finalmente: o que decidirá meu céu ou meu inferno, escutar “Vinde” ou ouvir “Ide”? Minha abertura a Jesus nas pequenas coisas e situações da vida. Se o acolhi ou me fechei, de modo especial nos outros, nos necessitados das necessidades da vida. O certo é que não entrará no Reino de Cristo quem não deixar que Cristo entre na sua vida e reine no seu coração...
Basta! São apenas alguns pensamentos para hoje, Cristo Rei, tomando o santo Evangelho...


segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Cristo vence, Cristo reina!!! Mais um anos se vai, e...


Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Como sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também nos dias do Filho do Homem: 
comiam, bebiam, os homens casavam-se e as mulheres eram dadas em casamento, até ao dia em que Noé entrou na Arca e veio o dilúvio, que os fez perecer a todos. 
O mesmo sucedeu nos dias de Lot: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam, construíam; 
mas, no dia em que Lot saiu de Sodoma, Deus fez cair do céu uma chuva de fogo e enxofre, que os matou a todos. 
Assim será no dia em que o Filho do Homem se revelar. 
Nesse dia, quem estiver no terraço e tiver as suas coisas em casa não desça para as tirar; e, do mesmo modo, quem estiver no campo não volte atrás. 
Lembrai-vos da mulher de Lot. 
Quem procurar salvar a vida, há-de perdê-la; e quem a perder, há-de conservá-la. 
Digo-vos que, nessa noite, estarão dois numa cama: um será tomado e o outro será deixado. 
Duas mulheres estarão juntas a moer: uma será tomada e a outra será deixada. 
Dois homens estarão no campo: um será tomado e o outro será deixado.» 
Tomando a palavra, os discípulos disseram-lhe: «Senhor, onde sucederá isso?» Respondeu-lhes: «Onde estiver o corpo, lá se juntarão também os abutres.»  (Lc 17,26-37)


Meus caros,

esse Evangelho foi proclamado há poucos dias! Lembrem-se de que este é o mês de novembro. No próximo dia 26, sábado, com a Oração de Noa (das quinze horas), encerra-se o ano litúrgico. Encerra-se, pois, para os católicos, mais um ano. Encerrar um ano nos faz lembrar da brevidade da vida. Lembra-nos de que "o homem é como a erva, que de manhã floresce e de tarde resseca" (cf. Sl 89). É neste contexto que esse mês foi iniciado com a Solenidade de Todos os Santos e com a Comemoração dos Fiéis Defuntos. Também as ordens religiosas celebram os seus santos e defuntos neste mês. Celebrar os santos é lembrar das razões pelas quais estamos aqui, porque neles, revela-se de tantos modos o que é uma vida vivida de modo a valer à pena, ou seja, uma vida vivida toda ela apontada para Cristo, não obstante seus pecados, que foram redimidos por Ele, mediante grande combate espiritual, símbolo da Páscoa do mesmo Cristo. A última semana é marcada pela Solenidade de Cristo Rei, que, segundo Von Balthasar, é o meio pelo qual todas as realidades tendem para Deus, a quem o Reino de Cristo é finalmente entregue qual sacrifício pacífico. Diz o supracitado teólogo: 

“Deus é o fim último das criaturas: ele é o céu para quem o alcança, o inferno para quem o perde, o juízo para quem por ele é examinado, o purgatório para quem é por ele purificado... e tudo isto no modo em que ele dirigiu-se ao mundo, isto é, no seu Filho, Jesus Cristo, que é a possibilidade de revelação de Deus e, portanto, a síntese das coisas últimas.”

Por isso, depois de termos meditado sobre a perfeita alegria e a tendência de todas as realidades à Única, Última e Suprema Realidade, Cristo, pareceu-me muito apropriado trazer as palavras que a Liturgia nos trouxe (em azul e vermelho, lá em cima). É interessante como a imagem do dilúvio e do fogo são loquazes, embora não muito comentadas.

Essas imagens já haviam sido evocadas antes... No Princípio, ... "o Espírito pairava sobre as águas", depois aconteceu o dilúvio, nos tempos de Noé. Nos tempos de Moisés, o povo "atravessou o mar Vermelho a pé enxuto". E mais uma vez isso aconteceu na travessia do Rio Jordão. Jesus procurou João, que batizava no Jordão, e aquela efusão de águas já apontava para a vinda do Messias, aquele que deveria "batizar não com água, mas com o Espírito Santo e o fogo". É ainda interessante lembrar o diálogo de Jesus com Nicodemos (Jo 3), sobre a necessidade de nascer de novo, fato que deveria acontecer mediante a água e o Espírito Santo. Como não lembrar também do diálogo de Jesus com a samaritana (Jo 4) em que Ele mesmo, pedindo de beber àquela estrangeira, se diz a "fonte de água que jorra para vida eterna".

O fogo igualmente é lembrado desde a Antiga Aliança. Foram várias as manifestações assim. O Evangelho de hoje descreve como foram destruídas Sodoma e Gomorra. Mas foi como fogo que Deus se manifestou a Moisés na sarça ardente (Ex 3), e ao povo no Monte Horeb, quando lhe deu a Lei (Ex 19). Essa última imagem, da Lei dada mediante o fogo, que um dos grandes símbolos do Espírito Santo, o Espírito de Cristo Ressuscitado é o fogo, como aparece em At 2, quando aos apóstolos e Maria reunidos em oração é dado o Espírito Santo sob o aspecto de fogo e eles começam a anunciar e testemunhar o Mistério de Cristo intrepidamente a todas as nações. Em uma passagem do Evangelho de Lucas, Jesus mesmo diz que lhe espera um batismo de fogo, pelo qual Ele mesmo ansiava. Isso corresponderia à sua morte e à efusão do Espírito Santo.

A água e o fogo... Símbolos da purificação da face da terra. Por diversas vezes e de muitos modos, eles se põem a serviço de Deus propondo uma escolha livre para todos os homens: tornarem-se outros ungidos, imagem e semelhança de Cristo, naquilo que eles mesmos o são, mas sequer o sabem. Esse é o nosso tempo, o tempo da história, onde a Igreja, qual ministra e símbolo eficaz do Amor de Deus para conosco ministra os sacramentos e convida a todos à salvação. Mais ainda, é o tempo onde somos purificados pelas águas de nossas lágrimas, pela "chama viva de amor" (usando um termo de São João da Cruz), que queima nosso coração pela compunção e pela contrição. É o tempo do refrigério da misericórdia de Deus, quando o tempo é a oportunidade de exercitarmo-nos no Amor dEle. É o tempo de apaixonar-se por Ele, nAquele fogo típico dos apaixonados, que se preparam para suas núpcias...

...porque no dia das núpcias, essa água e esse fogo já não serão uma proposta para uma livre escolha; serão uma necessidade! Impressiona a imagem trágica que no Evangelho de hoje Jesus traz. Trata-se de uma água e de um fogo sem controle nenhum. Apelando para imagens das antigas tragédias narradas pelos textos israelíticos, Jesus apresenta a imagem de uma grande tragédia. E tudo aquilo que a água e o fogo evocam, como nos três últimos parágrafos pude apenas lembrar, está implicado no processo que Jesus apresenta como iminente.

Que significa isso?

Primeiro, que a água e o fogo já vêm operando nos Sacramentos. Todo aquele que se aproxima de Deus, aproxima-se de realidades assim. A oração vai desvelando o olhar do fiel para que possa compreender a purificação e a conservação do fiel no amor a Cristo.

Depois, a criação inteira espera por esse Dia, porque ela, por causa de nossa sujeição ao pecado, chora e geme as dores de parto. Parece-me que esse é o Dia do parto, onde a criação estará inteiramente transfigurada. Aliás, Cristo, ao aparecer transfigurado a Pedro, Tiago e João, no Monte Tabor, apresenta-se com uma veste branca, da qual o evangelista faz questão de dizer "de modo que nenhuma lavadeira conseguiria lavar". Que água é essa que lavou as vestes de Cristo? Sabemos, do Apocalipse, que os justos lavaram suas vestes, agora igualmente brancas, no "sangue do Cordeiro", simbolizando ao mesmo tempo a Eucaristia, a atualidade do sacrifício de Cristo na cruz, e o derramamento de sangue dos mártires, que, como Igreja, constituem o Corpo de Cristo. A criação inteira espera o momento de se revelarem os filhos de Deus. E, vamos e venhamos, de fato, pelo Sacramento do Batismo e unicamente por ele, tornamo-nos filhos de Deus, ou seja, acabamos de sair de nossa orfandade natural, de nosso alheamento natural do Real, para ser uma manifestação de tudo aquilo que procede dEle (ou seja do Espírito Santo, simbolizado pelo fogo). Mas quem pode arrogar-se esse direito? É engraçado: o brasileiro gosta de dizer que "também sou filho de Deus". É interessante essa afirmação porque de certo modo revela as raízes cristãs de nossa cultura. Porém, acaba criando uma parresia abusada. Parece que temos direito a tudo da parte de Deus. E não é assim. A grandeza de Deus não se manifestou por uma justiça que não fosse gratuidade. Somente a graça é nosso tudo. O resto é nada. Quando as torrentes vierem, quando o fogo vier, ou seja, quando Cristo se manifestar tal qual Ele é, esse resto vai mostrar exatamente o que é. Aliás, alguns místicos puderam manifestar o amor pelo seu NADA como amor à GRAÇA. Pudemos falar de textos de São Francisco e São Gregório de Nissa. São João da Cruz, ao falar da Noite Escura, está falando exatamente disso. Não é uma esquizofrenia, mas um olhar aberto para coisas que as pessoas em geral não costumam ou não querem ver. Mas, realmente, o "peregrino russo", personagem surgido no século XIX na literatura sacra ortodoxa, depois de ter se condicionado por um bom tempo a invocar o Nome de Jesus, começou a percebê-lo em tudo, e até "sentir-se meio bizarro", um estranho no meio dos outros homens. Nesses casos, trata-se do despertar da alma para Deus. Que despertemos e vigiemos antes que aquilo que consideramos tranqüila e indolentemente como TUDO se transforme em NADA!

Por fim, São Paulo lembra na I Carta aos Coríntios (1Cor 15): "Cristo será tudo em todos!" Se há uma predestinação no homem e não só nele, mas em todo o cosmos é: "Cristo será tudo em todos!" Vejam bem o que Cristo diz: "onde estiver o cadáver, aí estarão os abutres". Segundo a descrição em tom apocalíptico, os cadáveres estarão em todo lugar, como acabara de dizer: "fez morrer todos". Ou seja, tudo o que se realiza e vive neste mundo estará nu diante do olhar de Cristo. Sua Presença já não será uma presença velada, mas uma Supra-Presença, de tal modo que nada mais será recurso para o homem. E tudo que, como cadáver se expõe ao olhar dos abutres, estiver sob o seu olhar será nEle consumado.

E nosso eu? Que será dele? São Paulo lembra que nossos olhos não viram, nossos ouvidos não ouviram, nosso coração jamais percebeu. Eu não sei! Gostaria de pensar apenas que, a exemplo do "peregrino russo", esse personagem emblemático da mística cristã que encarna toda a Tradição orante, essa bizarrice que ele sentiu a respeito dele mesmo seria uma expressão de seu verdadeiro ser, como a Transfiguração foi, de Jesus para os Apóstolos. Essa estranheza é mais ou menos como talvez nos sintamos com relação a nós mesmos quando nos deparamos com temas ou até mesmo fatos relacionados à nossa morte, nossa caducidade, nossa perecibilidade. Essa estranheza revela o quanto até mesmo nós somo-nos estranhos. E isso é tão visível, sobretudo quando odiamos, quando nos revoltamos, quando maquinamos contra o outro, quando mesmo nos perturbamos com tantas tribulações. Nós não sabemos quem somos! Talvez por isso não saibamos como é o Reino de Deus. Mas, no Evangelho de ontem, trecho anterior ao acima citado em azul, Jesus diz: "O Reino não vem ostensivamente, mas está dentro de vós". Como perceber o Reino se não nos percebemos, se há uma raiz filauciosa, de amor odioso contra nós mesmos?

É disso que o Cristo vem nos salvar: dessa estranheza. Essa é a medida do pecado em nossas vidas. Gostaria de rezar com todos vocês as palavras proferidas pelo Santo Padre numa catequese de três anos atrás: "Vinde, Senhor! Vinde a vosso mundo, na forma que tu sabes. Vem onde há injustiça e violência. Vem aos campos de refugiados, em Darfur e em Kivu do Norte, em tantos lugares do mundo. Vinde onde dominam as drogas. Vinde também entre esses ricos que vos esqueceram, que vivem só para si mesmos. Vinde onde sois desconhecido. Vinde a vosso mundo e renovai o mundo de hoje. Vinde também a nossos corações, vinde e renovai nossa vida, vinde a nosso coração para que nós mesmos possamos ser luz de Deus, presença vossa. Neste sentido rezamos com São Paulo: Maranà,thà! «Vinde, Senhor Jesus!», e rezamos para que Cristo esteja realmente presente hoje em nosso mundo e o renove."

A Ele, o Santo, o Único e o Imortal, a glória e o poder, a realeza e a honra, a força e a soberania, hoje e por todos os séculos dos séculos. Amém!


Agnus Dei - Misa Criolla

Sanctus da Missa Criolla


Missa Criolla - o Credo (Símbolo Apostólico)

Missa Criolla, inculturação musical litúrgica latino-americana

Agora, um video do Kyrie, eléison:

Gloria - Missa Criolla, exemplo de inculturação musical

Meus caros, acho que ainda não postei o belíssimo exemplo de inculturação litúrgica musical latino-americana (vocês conhecem meu prezo pela ortodoxia e pala ortopráxis litúrgica).

Bem, para deleite dos ouvidos, elevação da alma, oração, contemplação de Cristo e louvor a Deus, posto aqui alumas peças do Ordo da Missa Criolla. Abaixo, o Gloria in excélsis:


Penso que não seria difícil traduzir ao português litúrgico e usá-lo ostensivamente em algumas paróquias.

Depois,. postarei mais.
Agora, para relaxar...

Gostei da charge que foi postada em http://sentircomaigreja.blogspot.com/

Olhem só: