terça-feira, 1 de junho de 2010

Elisabeth da Trindade e a epectase

Caros amigos, as palavras abaixo são uma tradução livre do trecho de uma dissertação de mestrado escrita por Catherina Maria Carratu, em Espiritualidade Cristã, pela Universidade da África do Sul. Seu título é "A comparative study of the mysticism of Elizabeth of the Trinity (1880-1906) and the Eastern Ortodox Church", de 2003. O trecho abaixo se refere à epectase e no que concerne ao progresso espiritual. As referências apresentadas são da pesquisa feita durante a dissertação. Penso que vale à pena lerem.

Gregório de Nissa contemplou a jornada da perfeição cristã como um perpétuo progresso (epectase) e é o tema central de sua teologia espiritual (Malherbe & Ferguson 1978:113). O conceito de epectase, é obtido da Carta de São Paulo aos Filipenses 3,13-14: "esquecendo-me do que fica para trás e avançando (= epectase) para o que está adiante, prossigo para o alvo, para o prêmio da vocação do alto, que vem de Deus em Cristo Jesus". A idéia de epectase contém a noção de uma sinergia entre o esforço humano e o livre arbítrio e a graça de Deus. Os homens não são sujeitos passivos nas mãos do Artista divino, mas têm de avanças livremente para a ação purificadora, a iluminadora e a deificante do Espírito Santo. O termo "avançar" (epectase) denota esforço.

Elisabeth [da Trindade] se refere ao mesmo texto paulino, "eu levo adiante meu esforço em caminhar para alcançar o que Ele me destinou para me tomar em si. Meu interesse inteiro é esquecer o que fica para trás e me tensionar para a frente constantemente ao que está adiante. Eu corro em linha reta ao objetivo, à vocação à qual Deus me chamou em Cristo Jesus" (De Meester 1984:106). O trabalho de se tensionar em direção ao objetivo é adicionalmente expresso por Ela, como segue, 'antes de alcançá-lo (o centro mais profundo), a alma já está "em Deus que é seu centro", mas ainda não está em seu centro mais profundo. Ela pode ainda ir adiante. Uma vez que o amor é o que nos une a Deus, quanto mais intenso é este amor, mais profundamente a alma entra em Deus e se torna mais centrada nEle...; mas quando este amor tiver alcançado sua perfeição, a alma terá penetrado dentro do centro mais profundo (De Meester 1984:95-96). A idéia do progresso espiritual aparecer também em suas cartas. "Cada minuto nos é dado para 'enraizar-nos' mais profundamente em Deus, como diz São Paulo, assim a semelhança de nosso Arquétipo divino poderá ser mais impactante, a união, mais íntima" (De Meester 1995:358). Elisabeth também vê seu trabalho como um elogia da glória como iniciando já na terra e continuando na eternidade. Entretanto, para Elisabeth, cada tempo é eternidade iniciada e em progresso (De Meester 1984:141).

Os princípios contidos na epectase são também remetidos de maneira harmoniosa por Elisabeth em numerosas cartas onde ela fala do abandono (De Meester 1995:28,229) ou o repouso em Deus como uma criança no colo da mãe (ibid. 1995:11,158,216), bem como o esforço para se manter recolhido no interior (ibid. 1995:216). O abandono é mencionado aqui como um exemplo de epectase na mística de Elisabeth porque envolve um esforço real e uma tensão constante para O que virá. Não é fácil ser totalmente entregue ao que virá de Deus como um bebê no colo de sua mãe. Há um nada passivo sobre o auto-esquecimento, a auto-ignorância, contemplando o Mestre somente, aceitando tudo como proveniente diretamente dEle (De Meester 1995:358). "'Eu morro diariamente'. Eu me diminuo, eu me renuncio mais cada dia uma vez que Cristo pode elevar-se em mim e ser exaltado" (De Meester 1984:97). "Mas para ater-me a este amor, a alma deve primeiro estar 'inteiramente entregue'" (De Meester 1984:99). O conceito expresso por Elisabeth envolve um esforço muito real, sacrifício e constante fidelidade ao objetivo, e então, epectase.

Distante de uma concepção predeterminística radical da graça divina, que poderia facilmente ser o caso devido à centralidade da predestinação em seu misticismo, Elizabeth, sem ambiguidade e explicitamente, encoraja seus leitores a se jogarem para o crescimento de suias vidas espirituais. Eles também têm uma tarefa a cumprir, e isto é primeiramente uma matéria de auto-abertura ao Deus Triuno tanto quanto Ele possa fazer sua ação divina neles - tempo, espera, habitação são as palavras operativas, palavras que descrevem a epectase. Como isso é realizado? Pelo recolhimento interior de si mesmos, na presença que cura, perdoa e santifica das Três Pessoas Divinas e pelo abandono a Elas. O conceito de sinergia aqui implicado, embora Elisabeth não use essa palavra, é muito próximo daquele usado na Ortodoxia Oriental.

Suas exortações a seus correspondentes a praticar sacrifício e renúncia e crescerem em recolhimento interior (De Meester 1995:277-278) reforçam a idéia de que a união com Deus é um processo de crescimento contínuo. [...]

Tanto misticismo de Elisabeth como na Ortodoxia Oriental, o contemplativo é chamado a um perpétuo tensionamento em diração ao alvo. Paradoxalmente, o alvo nunca é completamente alcançado, porque Deus é um princípio infinito e espiritual.

Um comentário:

orvalho do ceu disse...

Oi, meu irmão na Fé Emerson
Seus posts são tão profundos e, ao mesmo tempo, simples de se ler e assimilar. Parabéns!
PERFEIÇÃO CRISTÃ: prosseguir ao alvo...
Levar adiante... tencionar para frente... jogar-se para o crescimento...
Recolhermo-nos em nós mesmos... crescimento interior...

Era tudo o que precisava ouvir... Obrigado!
Tive muitos erros no alvo... mas, pela Graça, estou "correndo atrás" do Alvo: d'ELE.
Com gratidão pela preciosa postagem,
Rosélia