Lá pelos idos da meia-noite de Sábado Santo para Domingo da Ressurreição, os cristãos se erguem em canto alegre e solene porque no meio da noite escura, aquela que representa a morte, a destruição, a falta de sentido, o desencanto, brilha a luz. Ninguém sabe como foi que aconteceu, é Mistério de Deus. Diz o Precônio Pascal: “só tu, ó noite, conheces a hora em que Cristo da morte ressurgia.” Somente a escuridão, o mistério da falibilidade de nossas luzes, nosso pranto, nossa entrada na sepultura, nossas dilacerações interiores podem conhecer de modo incompreensível aquela alegria que o mundo não pode oferecer nem retirar. A Páscoa é isso: Cristo vai até as profundezas da morte para que a realidade do Espírito Santo, aquela que só pertence a Deus, possa ser copiosamente derramada nos corações humanos, porque aí, justamente aí, a morte já não é mais morte, mas lugar onde Deus é tudo em nós e em todos.
Muitas vezes, sobretudo para o mundo de hoje, as experiências mais dilacerantes do homem são a doença, a pobreza, a morte. Entretanto, diria que há algo pior, que está por detrás de todas essas manifestações de nossa fraqueza. É a solidão. Não falo da solidão comum, de não estarmos acompanhados de outras pessoas. Se essa solidão for permeada de amor, ela já não será mais solidão. Falo de uma solidão interior, ontológica, aquela condição em que o homem parece abandonado à sua própria sorte. Seu destino parece irremediável e seu fim é a destruição, o vazio, o esquecimento, o aniquilamento total de sua história e de seu ser. Uma trajetória assim só pode ser razão de desespero. Vejamos o nosso mundo e o nosso tempo. Estaremos a celebrar a Páscoa e por ela somos chamados a vencer o desespero. Porém, o mundo continuará a sua história de desespero. O absurdo continuará a acontecer. E o pior é que o absurdo se revestirá de ciência, de direitos humanos, de justiça, de segurança e de paz. Hoje não temos uma humanidade de 6 bihões de pessoas, mas 6 bilhões de indivíduos sozinhos, destinados a se perderem para sempre...
Senhor, abre-nos a porta. Se estamos confinados às portas da morte e do inferno, arromba-as. Nossos antepassados diziam que o “Senhor arrombou portas de bronze e despedaçou ferrolhos de ferro” (Sl 106,16). Nós acreditamos neles, porque experimentaram a verdadeira liberdade ante o absurdo. Acreditamos neles porque encontramos neles a alegria de quem superou aquela solidão essencial. Acreditamos neles porque a eles não faltou no olhar, nos gestos, nas palavras, nos pensamentos aquele brilho que não cessava de transmitir um algo mais humano, onde podíamos vislumbrar algo de perene e eterno.
Senhor, abre-nos a porta. Dissestes que se não cessássemos de bater, de insistir, a porta seria aberta. “Pois quem pede, recebe; quem procura, encontra; e a quem bate, a porta lhe será aberta”. De fato, se os homens, em sua maldade, em sua parcialidade, são capazes de dar coisas boas a seus filhos, quanto mais o “Pai do céu não dará o Espírito Santo aquele que lho suplica”. Abre-nos a porta. Sopra sobre nós o teu Espírito.
Senhor, abre-nos a porta. Não digas, suplicamos, que não nos conheces. Abre-nos a porta, porque nos sondas e conheces, sabes quando deitamos e levantamos, sondas os nossos pensamentos. Abre-nos a porta, porque no nosso abandono, tudo é frio, sem sentido, morto. Se as portas se fecham, não temos mais razões para viver e levar adiante o dom que tu mesmo nos deste.
Senhor, abre-nos a porta. Tu mesmo disseste: “eu sou a porta das ovelhas”. Em Jerusalém, havia uma “Porta das Ovelhas” ao lado da qual ficava a piscina de Betesda (cf. Jo 5) .Ali, conheceste um aleijado, que nunca conseguia chegar na piscina a tempo de conseguir a cura àquele que chegasse nela primeiro logo após ser agitada por um anjo. Quando tu o olhaste, deste a ele a cura, o bem e a possibilidade de louvar a Deus. Fizeste Páscoa na vida dele. Passaste na vida dele e ele passou da morte para a vida. Tens razão em dizer que és a Porta das Ovelhas (cf. Jo 10,7), porque aí se encontra a verdadeira piscina de Betesda, onde nos encaminhais para águas repousantes e restaurais nossas forças. Prometestes que ao entrar por essa porta seríamos salvos, diferente daquela porta onde estávamos trancafiados, presos, com um destino triste e irremediável. Em ti, somos batizados, lavados, purificados. Em ti, vemos a luz, somos iluminados e somos luz.
Sim, Senhor, abre-nos a porta! Que uma nova criação se abra ao nosso olhar! Que a percebamos muito mais do que quando Adão abriu os olhos e viu uma maravilha ao seu redor; muito mais do que quando Abraão viu o vosso dia, na ocasião em que percebeu que não precisaria mais sacrificar seu filho Isaac; muito mais do que quando maravilhas realizastes em favor de vosso povo no Mar Vermelho, quando rasgaste as águas e passaram a pé enxuto; muito mais do que quando deste com carinho e gratuidade o puro leite aos filhos de Israel que retornavam do exílio e mesmo quando o desposaste de novo e nele puseste o diadema; muito mais do que quando prometeste aquela água pura, porque agora em ti mesmo podemos ser purificados. Pois nosso coração se alegra, nosso coração já vê de alguma forma a luz em meio à falta de sentido, nosso coração se enche do sentido do Eterno. Sim, quem está em ti é, assim, uma nova criatura. Não somente vê as maravilhas de uma nova criação fora de si, mas sobretudo em si, porque foi revestida de Cristo: tendo experimentado a morte, ressuscitou contigo.
Sim, Senhor, abre-nos a porta da eternidade!
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