"Contemplai com mais frequência as estrelas. Quando carregais um peso na alma, observai as estrelas ou o azul do céu. Quando vos sentirdes tristes, quando vos ofenderem, ... entretei-vos ... com o céu. Assim vossa alma encontrará descanso".
Foi com essas palavras comoventes de Pavel A. Florenskij, escritor russo, matemático, filósofo e sacerdote, no tempo das gulag de Stálin, que o Papa Bento XVI concluiu a oração da Regina Caeli de ontem, Domingo da Ascenção do Senhor. O Senhor, aquele que nos abriu as portas da eternidade feliz, elevou a nossa natureza humilde a seu eterno plano de amor, Ele abriu o céu, encheu de eternidade nosso ser.
Já devo ter comentado aqui: "não vos alegreis porque fazeis muitos milagres, mas porque vossos nomes estão escritos nos céus". Santa Teresinha, em seus arroubos de infância lembra em sua "História de uma Alma" do dia em que, ainda criança, viu uma conjunção de estrelas no céu, em forma de um T. E disse ela a seu pai: "Papai, meu nome está lá no céu". Quanta beleza, quanta pureza de coração, quanta abertura de alma!!!
É, de fato, a percepção de que nosso implacável tempo não tem a última palavra sobre as coisas que nos elevará dele e far-nos-á perceber que não somos deste mundo, mas do Pai. No tópico abaixo, lembro da oração sacerdotal de Jesus. Pois bem, a subida de Jesus ao céu, o desaparecimento dos olhos de seus discípulos configura a nova forma de estar conosco: nesse desejo sublime de ser como as estrelas, numa visão poética, de estar abraçados pelo céu, pelo próprio Deus. E assim o é, pois "Ele continua a interceder pela humanidade e junto Pai é nosso eterno intercessor" (cf. Prefácio de Páscoa). E mais, é nos doando a potência de seu Espírito Santo, que realiza em nós tudo aquilo que realiza no seio do Pai.
As palavras de Florenskij são realmente comoventes porque esquecemos de olhar para essas realidades. Quando olhamos para o céu, ou para qualquer outra realidade, fazemo-lo, ou desatenciosamente, ou no sentido de esquadrinhar causas, movimentos, efeitos, equações, comportamentos, etc. Isso tudo também é importante. Isso oferece tantas possibilidades. Mas, meus caros, sinto realmente uma dor muito grande em termos perdido essa dimensão, essa de que a realidade pode nos apresentar surpresas grandiosas e, mais do que isso, revelar-nos, como lembrava o carteiro, de Pablo Neruda (O Carteiro e o Poeta), que todas elas são metáforas de algo ainda maior. Perceber essas realidades nos levam a encontrar nosso verdadeiro destino, senão a tocá-lo em sua totalidade, mas ao menos vislumbrá-lo.
Nosso Senhor nos promete: "vossa tristeza se transformará em alegria". Vários dos Santos Padres, especialmente os do deserto, lembram que a tristeza é uma porta escancarada para os demônios mais diversos. Certamente, a tristeza marcará nossa vida, como numa gulag, presenciada por Florenskij, como na morte de um ente querido, na doença, na perseguição, no ódio que contra nós é alimentado. Porém, a alegria que Jesus promete não é uma alegria como a deste mundo; é algo ainda maior. Muitas vezes, ela aparecerá somente no íntimo do coração, e talvez ninguém venha a percebê-la exteriormente. Os frutos a manifestarão. A Bem-Aventurada Teresa de Calcutá revelou as centenas de vezes que se dispôs ao serviço do Senhor, especialmente nas crianças abandonadas da Índia, carregando em si o peso de que tudo parecia sem esperança, tudo era uma treva. E, no entando, sua vida brilhou como luz.
Assim, o texto citado pelo Santo Padre desperta neste que vos dirige a palavra uma nostalgia do céu. Confesso que muito me comove porque esse sentimento revela exatamente o que sentimos. Num outro local, encontrei uma outra frase impactante: " O insuportável não é a dor, mas a falta de sentido da dor, mais ainda, a dor da falta de sentido" (Oswaldo Giacóia Junior, filósofo). Quantos de nós não sentimos essa última dor. No entanto, essa última (ela é mesmo a última de todas, a pior de todas) dor foi assumida por Deus. O seu Sentido assumiu a falta de sentido. Na Cruz, na Sepultura, o Sentido entrou no universo do absurdo. O absurdo foi habitado pelo Sentido.
Se nós, homens do século XXI, somos constantemente atribulados pelo absurdo, lembremo-nos do Mistério Pascal. Quando o absurdo foi habitado pelo Sentido, aquele perdeu o seu caráter, e o Sentido apontou para onde nunca havia deixado de apontar. A epectase é justamente esse fenômeno que acontece primeiramente no Cristo, depois naqueles que com ele ressuscitam, e em cada coração que se deixa inserir nesse Mistério que nos envolve. A Flecha que se lança para o alto nos lembra no Sl 67, tão cantado nesses dias (v. 19): "subindo nas alturas levastes os cativos".
Cativos éramos nós quando incapazes de olhar para as alturas e só víamos a opacidade ou a utilidade. Agora, as alturas nos foram dadas. Não apenas sentimentos elevados nos foram dados, mas a Realidade mais sublime nos foi dada. Que fizemos com ela?
Que nossos corações sejam tocados por ela e possam viver nessa constante tensão para o alto, embora certamente ocupados com muitas coisas desta terra. "Assim, a vossa alma encontrará descanso". Se nos falta o Espírito, ou se Ele se esconde em nós, invoquemo-lo; só Ele nos revelará a grandeza de todas essas coisas. Se ainda não descobrimos o grandioso valor de nossa existência nesse mundo, urge correr ao encontro dessas realidade, valendo à pena, parar um minuto que seja, interromper o ritmo secular, para respirarmos esse ar de eternidade.
Sim, cada acontecimento de nossa história não está largado no vazio. Eles estão cheios de valor. Como diz a antífona de entrada da Solenidade próxima de Pentecostes: "o Espírito do Senhor encheu a terra inteira, Aleluia!"
Um abraço, em Xto e Feliz Semana!
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