terça-feira, 11 de maio de 2010

A Páscoa que surpreende - comentário a At 16,22-24, texto da liturgia de hoje

Essa passagem arquetípica dos Atos dos Apóstolos é uma entre tantas através da qual a Liturgia vem nos motivar a refletir acerca da bondade incondicionada do Pai. O mais interessante é que os fatos dessa perícope o fazem através de situações aparentemente calamitosas e contraditórias.
Primeiro, com Paulo e Silas, esses dois intrépidos missionários. Tendo entrado na Europa, também aí sofrem a rejeição por causa do Reino de Deus, pois é um reino que incomoda, desaloja, desafia nossa mediocridade. As injustiças que sofrem fazem parte da reação que as frustrações ferventes de seus opositores promovem: são corações perturbados, que perturbam tudo ao redor. Ordem, para eles, é o “status quo” que compensa os desequilíbrios interiores que os levam a ser sedentos de poder e “donos da vida”.

Mas o que, me chamou a atenção nesse texto foi o que aconteceu com o carcereiro. Antes de mais, o que é um carcereiro? É um homem pago para garantir que presos não irão fugir. Na sociedade, seu papel é importante porque há uma necessidade remediativa acerca de pessoas envolvidas com o crime. Os carcereiros são pessoas importantes no que concerne à garantia da ordem social. Este carcereiro, entretanto, tem o papel para manter aquela ordem do parágrafo acima. Ele é instrumento de manutenção de uma estrutura viciada. E sabe que, se não o for, poderá morrer, mesmo que seja de fome, por não ter mais o seu salário. Então, acontece o inesperado: um terremoto. Os alicerces da cadeia são abalados, as portas são abertas. O abalo dos alicerces faz-nos lembrar do abalo das bases sobre as quais nossa vida (inclusive a do carcereiro) é construída. Elas são vez por outra abaladas, sofrem avarias e acabam por ser fragilizadas, desembocando na necessidade de mudança de alicerces. Quando alicerces se abalam, as estruturas se modificam, e as portas já não se mantém fechadas. Pude presenciar isso num local onde os alicerces estavam cedendo e as portas já não fechavam. Que dizer de um local assim perante um terremoto? Portas abertas lembram-nos as portas do sheol, a mansão dos mortos, abertas pelo mistério pascal de Cristo; lembram-nos o dia de nosso Batismo, em que entramos na Igreja pela porta, simbolizando as portas do Reino dos Céus, que nos foram abertas por esse mesmo mistério. Na realidade, um terremoto ocorreu na vida desse carcereiro. Tudo virou de cabeça para baixo. Poderia ter insistido em se matar, fruto de sua mediocridade, a não elevação de seus olhos para uma Realidade maior, uma águia que vive como galinha. Fenderam-se as estruturas de sua existência.


Entretanto, ao ouvir a voz consoladora de Paulo, ele se ajoelha aos seus pés, perguntando “que devo fazer para ser salvo?” Normalmente, queremos salvar a nossa pele, segundo a lógica voluntariamente aceita em nossa história. Mas Paulo lembra da família dele: “crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua família”. Paulo lembra de que não nos salvamos sozinhos. E a salvação desse homem não necessariamente corresponderá ao fato de se safar perante os magistrados de Filipos, mas de poder encontrar um horizonte infinitamente mais amplo para a sua existência; o quem sabe um alicerce firme diante das tempestades e tremores da vida, a “pedra angular” de sua vida.

Mas, uma questão ainda: quem estava preso? Os discípulos ou o carcereiro? Os discípulos cantam hinos, enquanto o carcereiro dorme; os discípulos permanecem em seu lugar, aparentemente tranqüilos, enquanto o carcereiro tenta se matar diante da intempérie. Enfim, para quem as portas se abriram?
Resposta a isso pode ser encontrada nos versículos abaixo, em que o carcereiro vai escutar a Palavra e cuidar daqueles que, em nome do Nome e do Reino, encontram-se espezinhados pelo sistema. O carcereiro se liberta da lógica antiga, do homem velho. Ele é batizado e oferece uma refeição (símbolo da Eucaristia) para saciar a todos os que se encontram famintos, ou seja, todos os personagens da situação. Aí, já não há carcereiros nem encarcerados. A partir daí, os papéis passados já assumem um referencial diferente, de tal maneira a se manifestarem inversos.

“Alegrou-se ele e sua casa porque creu em Deus.” De fato, quando nosso horizonte se abre à Eternidade, surge a alegria de Ser. Há a descoberta de não sermos mais tão somente filhos do pai ou da mãe, filhos do sistema, filhos da culpa, filhos da escravidão, filhos do cárcere, filhos de genes diferenciados, filhos do nosso temperamento ou dos hormônios que estão em constante transporte em nosso organismo ou ainda filhos da cidade, do campo, do oriente ou do ocidente, mas unicamente da Vida, em seu desejo por si mesma, ou em outras palavras, de Deus mesmo, do que transcende, do que ultrapassa, do Sempre Mais. Talvez tenhamos tudo isso, mas não para sermos vítimas do sistema, da culpa, da escravidão, do cárcere ou do que quer que seja, mas para redimir tudo isso.

É a Páscoa! Passagem da sujeição à libertação.

Um comentário:

orvalho do ceu disse...

Olá, Emerson, irmão em Cristo Jesus, o Ressuscitado!
Perfeitas suas palavras e reflexões!
Gostei de me encaixar como "carcereira de mim"... às vezes, me aprisiono, sabia?
Mas,lendo seu post, recebo mais um Apelo do Senhor à minha Conversão... mudança radical de vida!
Creio que vai gostar de uma BLOGAGEM COLETIVA ESPIRITUAL que vai rolar na net pelo meu blog no dia 13 (N. S. de Fátima vai interceder pelo meu desejo de trocar experiência com o público atencioso da Net...).
GOSTARIA MUITÍSSIMO DE CONTAR COM SUA PARTICIPAÇÃO E APRECIAÇÃO, BEM COMO A SUA DIVULGAÇÃO...
Tenho muito a aprender... seu blog é seleto e muito me acrescentará.
Desde já agradeço a sua colaboração... São muitos Seguidores ávidos da Palavra... Posso contar consigo?
Deus o abençoe!
Abraços fraternais e Pascais...