quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Comentário a Cristo Rei, de D. Henrique Soares da Costa

No último Domingo (foi o último do Ano do Senhor de 2011), D. Henrique, bispo auxiliar de Aracaju, comentou as leituras do dia através do seguinte texto, presente em seu blog:

No Evangelho desta Solenidade de Cristo Rei aparecem alguns detalhes interessantes e de significado profundo. Jesus está falando do Juízo Final.
Primeiramente é de se observar que aquele que tudo julgará será o “Filho do Homem”. Recorde o meu Leitor o significado deste título, que Jesus gosta de se dar a si mesmo: "Filho do Homem" é o misterioso ser de Daniel 7; aquele que virá de junto de Deus, com a sua glória e o seu poder. Por outro lado, “Filho do Homem” é o modo como Deus chama o tempo todo o profeta Ezequiel e significa simplesmente homem, como “filho da mentira” quer dizer simplesmente mentiroso e “filho da perdição”, perdido. “Filho do Homem”, “Filho do Adão” do bicho tirado da “adamah”, terra, em hebraico: filho do terroso, do bicho de terra, frágil, quebradiço, fácil de espatifar-se todo!
Jesus, então, quer deixar claro quem ele é: o nosso Juiz, grande e divino feito homem humilde; homem humilde até a morte de cruz, feito glorioso pela ressurreição e a quem o Pai entregou toda autoridade no céu e na terra. Ele pode nos julgar porque é “Filho do Homem”, foi feito um de nós, de busca e dor, de sonho e amor, de carências, incertezas, alegrias e tristezas, nascimento e morte. Nosso Juiz, tão grande e majestoso, é primeiramente nosso irmão, Filho de Deus feito filho de Adão, vindo do Alto feito vindo da terra, do húmus da nossa humilde condição!
Ele virá em glória, o Filho do Homem; homem na glória que é de Deus, Homem verdadeiro, glorificado não da glória vã, passageira, ilusória, mentirosa... Glória que significa consistência, plenitude, eternidade. Glória de quem se assenta no trono para julgar com juízo inapelável, verdadeiro e definitivo! E então – segundo ponto que eu desejo salientar -, todos os povos da terra serão reunidos diante dele! Eis: o universo e a história caminham para seu Ponto Ômega, seu Fim-Finalidade, seu Último, seu Destino, seu Futuro: é Jesus humano glorificado! E ninguém e nada poderão fugir dele: todos os povos da terra, todos os filhos de Adão e filhas de Eva estaremos diante dele, nossa Verdade, nosso Critério, nosso Juiz: diante dele os que o amaram e os que o odiaram, os que nele creram e que a ele desprezaram, os que nele esperaram e os que ao seu Nome deram de ombros, os que diante dele se ajoelharam e os que o esnobaram. Todos seremos por ele julgados: crentes e descrentes, bons e maus, cristãos e pagãos. Ele é Senhor de todos e de tudo! Nele aparecerá, sem máscara nem ambigüidades, tudo o que somos e tudo quanto tudo é! Que ninguém se iluda: nossa vida – minha vida e sua vida, meu Leitor – corre para Cristo como um riachinho teimoso corre para o mar!
Um terceiro ponto, muito significativo: Aquele que vem como Juiz tremendo nos julgará como um pastor! Ah, meu Leitor, que Jesus sempre nos surpreende, sempre nos educa! No Antigo Testamento o primeiro pastor do povo é o rei, que em nome de Deus deve cuidar do povo da aliança, sobretudo do pobre, do estrangeiro, da viúva e do órfão. O rei-pastor deve defender seu povo, deve educá-lo no caminho da aliança com o Senhor Deus. Então: esse Filho do Homem tão majestoso é o mesmo Pastor Bom que deu a vida pelas ovelhas, é o mesmo que disse: “Eu sou o bom pastor, eu conheço as minhas ovelhas. Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas! Por isso o Pai me ama: porque eu dou a vida pelas ovelhas. Tenho o poder de entregá-la e o poder de retomá-la; este foi o preceito que recebi do meu Pai!” Meu Juiz me ama, meu Juiz deu a vida por mim, meu Juiz é meu Pastor, que me veio procurar, que se arriscou por mim, que me conhece pelo nome... Santa Teresinha, atrevida como sempre foi, dizia, beirando o excesso: “Não tenho medo do julgamento porque o Juiz é meu amigo!” Mais que amigo: é o meu Pastor, que não me deixa faltar coisa alguma, que me conduz até o repouso, que me unge e alimenta de vida....
O que o Juiz-Pastor dirá às ovelhas? Aos da sua direita? "Vinde" (a mim, para perto de mim)! E aos da sua esquerda? "Afastai-vos de mim!" Compreende, Leitor amigo? Percebe? Nossa salvação, nosso céu, nossa plenitude, é estar com ele, perto dele, no seu calor e na sua vida, no seu aconchego e no seu coração. Hoje, no evangelho, o céu é chamado de “Vinde!” E o inferno, a frustração, a danação irremediável, pior que a pior depressão, mais escuro que a mais negra noite, o fracasso inapelável da existência é resumido numa expressão: “Apartai-vos de mim!” Apegar-se a ele – eis o céu! Fazer dele nosso pensamento, nossa mania, nossa fixação, nossa esperança, nosso apoio, nosso sonho, nosso modo de viver – eis o paraíso! Entre o “vinde” e o “ide” vai decidir-se o meu destino! – Senhor, piedade de mim, pecador!
Há ainda um detalhe que impressiona pela fineza teológica. Observe o dizer de Jesus: “Vinde! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo!” Está vendo? Deus não nos criou para o inferno, não pensou o inferno para nós! Vinde para o céu que o Pai vos preparou desde a criação do mundo, pois o Pai pensou em vos criar em Cristo para Cristo. Como diz a Escritura: Antes da fundação do mundo, Deus nos predestinou em Cristo para sermos santos e imaculados diante dele no amor! O céu nos foi preparado; é para lá nossa saudade, é lá nosso repouso, é lá nosso destino. Perdê-lo é viver no contrassenso, na negação eterna! Note o que o Juiz dirá aos condenados: “Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos”. O inferno não estava preparado para ninguém deste o início da criação! Se Satanás caiu no inferno foi porque seu afastamento do Senhor tornou sua existência uma realidade infernal! E eu e você podemos participar dessa terrível situação, que Deus não quer para nós, não criou para ninguém, mas que é uma realidade possível para cada um de nós! Deus não criou o inferno nem tampouco o preparou para nós! E, no entanto, podemos terminar nele!
Finalmente: o que decidirá meu céu ou meu inferno, escutar “Vinde” ou ouvir “Ide”? Minha abertura a Jesus nas pequenas coisas e situações da vida. Se o acolhi ou me fechei, de modo especial nos outros, nos necessitados das necessidades da vida. O certo é que não entrará no Reino de Cristo quem não deixar que Cristo entre na sua vida e reine no seu coração...
Basta! São apenas alguns pensamentos para hoje, Cristo Rei, tomando o santo Evangelho...


Nenhum comentário: